Episódio 64: Primeiras Linhas de Processo Civil. 21 – Da prova

Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner

Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner

Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres

Duração do episódio: 16 minutos e 55 segundos

Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa

Da prova

Antes de reiniciarmos nossa conversa com Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, retrocedemos ao ano de 1759, narrando algo do processo da expulsão do Brasil dos padres jesuítas.

A instauração do processo ocorreu nos termos da carta régia de 4 de novembro de 1759. Nela, o rei D. José – entenda-se, seu secretário, o Marques do Pombal – determinava que os jesuítas fossem submetidos a um processo que levasse em conta somente o direito natural, desconsiderando qualquer legislação, de qualquer origem, que pudesse beneficiá-los, ou seja: eram admitidas todas as inquirições e peças acusatórias obtidas de conformidade com a legislação real e o direito comum, ao passo que a defesa era restrita ao direito natural, o que apenas garantia que os acusados teriam a vida preservada no curso do processo.O processo não seguiu a ordem jurídica normal, que seria a instauração da devassa, a tomada de depoimentos, a reunião de provas e a sentença. O governo português decretou a imediata prisão de todos os jesuítas do Brasil e o seqüestro de seus bens.Na madrugada do dia 3 de novembro de 1759, o Colégio dos Jesuítas, no morro do Castelo, foi cercado pela tropa. Logo, o desembargador Agostinho Félix dos Santos Capelo ingressou no colégio, acompanhado pelo escrivão do cível e pelo meirinho e fez a apreensão de livros de registros e papéis avulsos guardados nos gabinetes do reitor e do procurador do colégio.Coube ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro elaborar a parte brasileira do juízo de inconfidência. Coube-lhe também a administração direta do espólio da extinta Companhia de Jesus, por meio de desembargadores sucessivamente nomeados.Em 14 de março de 1760, 199 padres da Companhia de Jesus foram embarcados na nau Nossa Senhora do Livramento e São José, para serem conduzidos ao porto de Lisboa, como ordenara Sua Majestade.Pois é. Deixamos os jesuítas entregues à sua sorte e retomamos nossa tranqüila conversa com Joaquim José Caetano Pereira e Sousa. Pergunto-lhe: o que é prova?

Prova se diz o ato judicial, pelo qual o juiz se faz certo daquilo que se deduz em questão. É objeto da prova toda a controvérsia tendente à decisão da causa, sendo consistente em fato, e não em direito.O fim da prova é certificar-se o juiz do fato que se controverte entre as partes em juízo.

Diz Moacyr Amaral Santos que, no sentido jurídico, o vocábulo “prova” é empregado em várias acepções: Significa a produção dos atos ou dos meios com os quais as partes ou o juiz entendem afirmar a verdade dos fatos alegados, isto é, a ação de provar, de fazer prova. Nessa acepção se diz: a quem alega cabe fazer a prova do alegado.Significa o meio de prova considerado em si mesmo. Nessa acepção se diz: prova testemunhal, prova documental, prova indiciaria, presunção.Significa o resultado dos atos ou dos meios produzidos na apuração da verdade. Nessa acepção se diz: o autor fez a prova da sua intenção, o réu fez prova da exceção.Objeto da prova são os fatos sobre os quais versa a ação e devem ser verificados. Mesmo quando se trata de provar direito estadual, municipal, costumeiro ou estrangeiro, o objeto da prova é um fato: o fato da existência – ou sejam o teor e a vigência da lei ou costume.De regra, o direito alega-se mas não se prova, porque curia novit jura (nota 419).A finalidade da prova não é outra senão convencer o juiz, nesta qualidade, da verdade dos fatos sobre os quais ela versa.

Os meios ordinários de prova são: I, a confissão: II, os instrumentos: III, as testemunhas: IV, o juramento: V, as presunções. Os extraordinários são: I, o arbitramento: II, a vistoria.

O Código vigente não especifica quais são os meios de prova admissíveis, estabelecendo apenas, como regra geral, que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que nele não especificados, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa (art. 332).Explica-se a falta de especificação dos meios de prova admissíveis pelo entendimento de que entram na esfera do direito material a determinação das provas cabíveis, a indicação do seu valor jurídico e condições de admissibilidade, cabendo ao processo apenas regular o modo de sua produção em juízo (Moacyr Amaral Santos, p. 48).Eventualmente, podem surgir dúvidas relevantes sobre a admissibilidade, por exemplo, da psicografia mediúnica, do detentor de mentiras e da prova estatística.Salomão adquiriu fama eterna como sábio juiz, lançando mão de um meio de prova que hoje seria inadmissível. Lê-se, no Livro dos Reis (3:16-28).

Certo dia duas mulheres compareceram diante do rei.Uma delas disse: 'Ah meu senhor! Esta mulher mora comigo na mesma casa. Eu dei à luz um filho e ela estava comigo na casa. Três dias depois de nascer o meu filho, esta mulher também deu à luz um filho. Estávamos sozinhas: não havia mais ninguém na casa. 'Certa noite esta mulher se deitou sobre o seu filho, e ele morreu. Então ela se levantou no meio da noite e pegou o meu filho enquanto eu, tua serva, dormia, e o pôs ao seu lado. E pôs o filho dela, morto, ao meu lado. Ao levantar-me de madrugada para amamentar o meu filho, ele estava morto. Mas, quando olhei bem para ele de manhã, vi que não era o filho que eu dera à luz'.A outra mulher disse: 'Não! O que está vivo é meu filho: o morto é seu'.?Mas a primeira insistia: 'Não! O morto é seu: o vivo é meu'. Assim elas discutiram dian­te do rei.O rei disse: 'Esta afirma: 'Meu filho está vivo, e o seu filho está morto', enquanto aquela diz: 'Não! Seu filho está morto, e o meu está vivo' '.Então o rei ordenou: 'Tragam-me uma espada'. Trouxeram-lhe. Ele ordenou: 'Cortem a criança viva ao meio e deem metade a uma e metade à outra'.A mãe do filho que estava vivo, movida pela compaixão materna, clamou: 'Por favor, meu senhor, dê a criança viva a ela! Não a mate!'?A outra, porém, disse: 'Não será nem minha nem sua. Cortem-na ao meio!'Então o rei deu o seu veredicto: 'Não matem a criança! Deem-na à primeira mulher. Ela é a mãe'.Quando todo o Israel ouviu o veredicto do rei, passou a respeitá-lo profundamente, pois viu que a sabedoria de Deus estava nele para fazer justiça.

Divide-se a prova em razão do lugar, onde se produz, em judicial, e extrajudicial: em razão do seu efeito em plena, e semiplena: em razão da sua causa eficiente em artificial, e inartificial: e em razão de sua forma em vocal, ou testemunhal, literal, e muda.

Constituíam meia prova a declaração feita por uma testemunha sem suspeita: a confissão extrajudicial: o escrito particular justificado por comparação da letra. Diziam as Ordenações: “E dizemos que é meia prova por um testemunha sem suspeita, que deponha cumpridamente do caso, sobre que é a contenda, ou por confissão feita pela parte fora do juízo, ou por escritura privada, justificada por comparação de letra, ou por qualquer outro modo por que segundo Direito é feita meia prova”. (Livro III, LII, pr.).Prova artificial era a que, a partir de fatos certos ou provados, se deduzia, com um correto raciocínio, a verdade de um fato controverso (nota 410). Inartifical a que demonstrava diretamente a verdade do fato controverso, como a proveniente de confissão, do depoimento de testemunha ou de um instrumento.Prova oral ou testemunhal era a resultante de confissão da parte ou dos juramentos de testemunhas: literal, a decorrente de um escrito: muda, a deduzida das presunções e circunstâncias do caso, independentemente de prova escrita ou vocal.

A obrigação da prova incumbe àquele que em juízo afirma o fato, de que pretende deduzir o direito.Daqui vem que deve o autor provar a sua intenção.Assim mesmo afirmando o réu algum fato em sua defesa, igualmente lhe incumbe a prova dele.

Observa Moacyr Amaral Santos que, no direito romano, aplicava-se a regra de que o ônus da prova incumbe àquele que diz, ou afirma, ou age. Ora, quem vai a juízo, em primeiro lugar, é o autor, donde o corolário de que o ônus da prova incumbe ao autor. Mas, como nem sempre a defesa do réu consiste em negar o fato afirmado pelo autor, e sim, muitas vezes, consiste na articulação de outro fato que exingue, anula, impede ou modifica aquele, a defesa, então mais corretamente chamada “exceção”, importa numa afirmação que cumpre, igualmente, ser provada por quem a traz a juízo. Daí a regra enunciada por Ulpiano – reus in excipiendo fit actor, isto é, oferecendo exceção o réu torna-se autor.Esses preceitos foram acolhidos pelos glosadores, consagrados pelo direito canônico e adotados pelo velho direito português.

As provas devem fazer-se depois da litiscontestação, e dentro do termo probatório.A prova para ser legitima deve ser: I, clara: II, e concludente.

Diziam as Ordenações que não trazendo as partes as suas inquirições no tempo da dilação, o feito seria despacho sem elas. Havia contudo certa tolerância. Mesmo já tendo sido proferida e assinada a sentença, vindo logo o vencido com suas inquirições, tiradas dentro da dilação, a prova seria admitida como se a sentença não fora dada. (Livro III, LVI, 16). Em princípio, as provas deviam ser produzidas no processo em que se decidiria a lide. Por exceção, admitia-se como agora a produção de prova antecipada (ad perpetuam memoriam). Diziam as Ordenações: “E se o autor, antes da demanda começada, requerer ao julgador, que lhe sejam perguntadas, algumas testemunhas sobre a causa, que entende demandar, alegando que são muito velhas, ou enfermas de grande enfermidade, ou estão aviadas para se partir para for do Reino, e que seus ditos estejam cerrados para os dar em ajuda de sua prova e se abrirem e se publicarem ao tempo, que com direito se deva fazer, mandá-las-á o julgador perguntar, sendo ele primeiramente informado da dita velhice e enfermidade, ou longa ausência, e sendo outrossim a parte contraria citada, para ver como juram, em sua pessoa, se puder ser achada, se não à porta de sua casa, presente sua mulher, ou vizinhança, que lho hajam de notificar”. (Livro III, LV, 7). (A hipótese aqui deve ser a de a inquirição ter sido feita longe, até em outro Reino, dentro do prazo, mas vindo a ser apresentada, em virtude das distancias, depois de vencido o prazo!).

O efeito da prova é: I, que o Juiz deve julgar segundo o que dela consta: II, que se o autor provar assaz a sua intenção, deve o juiz condenar o réu: e se nada provar, ou não provar assaz, deve definitivamente absolvê-lo.

O Código vigente estabelece que o juiz deve apreciar livremente, mas atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos (art. 131). Por isso, costuma-se dizer que quod non est in actis non est in mundo, isto é, o que não está nos autos, não está no mundo.Pois é. Enquanto isso, em 1814, George Stephenson, construía a locomotiva Blutcher, substituindo dois cavalos por uma máquina a vapor. Ela pesava 6 toneladas e meio (6,5) a uma velocidade de seis quilômetros e meio por hora (6,50). Um feito sensacional!

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 3. Ed. São Paulo, Max Limonad, s/d, v. I.WEHLING, Arno &: WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.http://educacao.uol.com.br/biografias/george-stephenson.jhtm

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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