Episódio 65: Primeiras Linhas de Processo Civil. 22 – Da confissão

Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner

Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner

Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres

Duração do episódio: 14 minutos e 51 segundos

Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa

Da confissão

Quando se fala em confissão, muito frequentemente se pensa no sacramento da confissão.Do ponto de vista do direito canônico, a confissão é a reconciliação com Cristo, a oportunidade que o católico tem de reconhecer as suas faltas e de se arrepender de seus pecados.Violar o segredo da confissão já criou a maior celeuma no século XVI, quando os primeiros jesuítas, que desconheciam a língua dos índios, começaram a usar um intérprete nas confissões realizadas em aldeias do Rio de Janeiro e da Bahia. Os intérpretes eram, em geral, “meninos da terra”, ou seja, filhos de índias com portugueses, que dominavam as línguas tanto do pai quanto da mãe.- Tive grande consolação – diz o padre Fernão Cardim – em confessar muitos índios e índias por intérprete: são candidíssimos e vivem com muito menos pecados que os portugueses. Dava-lhes uma penitência leve, porque não são capazes de mais, e depois da absolvição lhes dizia, na língua ‘xe rair tupã toco de hirumano’, que quer dizer ‘Vai com Deus, meu filho’.O padre Serafim Leite, em sua obra magistral – História da Companhia de Jesus no Brasil - comenta que usar um intermediário para contar os pecados criava o perigo das inconfidências e até do escândalo. Por isso, o bispo D. Pedro Sardinha proibiu o uso de intérpretes no confessionário, “mui perigoso, pernicioso e prejudicial à majestade deste santo sacramento”.Os jesuítas recorreram ao Vaticano, que lhes deu razão e derrubou a proibição do bispo Sardinha, que seria depois jantado pelos índios. A prática dos jesuítas foi legalizada e sancionada pela igreja, sendo legitimada pelo Direito Canônico, no Canon 903, tanto para a confissão de mulheres na igreja, como para a confissão dos homens na portaria dos Colégios – que eram os dois lugares onde o intérprete atuava.No Brasil colonial, quando se tratava de índios, nem sempre a penitência era leve como generalizou o padre Cardim.Às vezes – narra o padre João Daniel, outro jesuíta que viveu na Amazônia – a pancada corria solta e a penitência podia ser dada antes mesmo de o pecado ser cometido. Foi o caso de um índio no Pará, que transgrediu o primeiro mandamento da Igreja: “ouvir a missa inteira aos domingos e festas de guarda”. Na hora da missa, ele foi pescar, quando voltou foi açoitado publicamente. Pediu, então, ao confessor:- Padre, já que estou ferido, pode me açoitar mais, por conta do próximo pecado, porque domingo que vem vou pescar outra vez. (José Ribamar Bessa Freira. http://www.altinomachado.com.br/2011/02/confissao-na-era-digital.html. Acesso em 16/08/2014)Tratemos, porém, da confissão no processo judicial e o que nos tem a dizer nosso interlocutor de 2 séculos atrás, Joaquim José Caetano Pereira e Sousa.

Confissão é a afirmação que se faz daquilo em que a parte contraria se funda.

A confissão era havia como uma prova plena, superior às demais (nota 426)Moacyr Amaral Santos define confissão como o reconhecimento que um dos litigantes, capaz e com ânimo de se obrigar, faz da verdade, integral ou parcial, dos fatos alegados pela parte contraria como fundamento da ação ou da defesa (p. 15).Todavia, o requisito do ânimo de se obrigar não se encontra na confissão ficta e tampouco na confissão resultante de depoimento pessoal.

A confissão se divide em expressa, e tácita, em judicial, e extrajudicial, e em simples, e qualificada.

Era expressa a confissão feita deliberadamente: tácita, a que se deduzia de algum fato. Confessava tacitamente quem transigia a respeito de um crime: quem efetuava pagamento, confessava o débito e, para repetir o que havia pago, necessitava fazer prova do erro: tácita era também a confissão do que se recusava a depor.Judicial era a confissão feita perante juiz competente.Era simples a confissão a que nada se acrescentava: qualificada, a que continha artigos sobre objetos entre si separados, como a de que devia, sim, mas pagou, ou que devia, mas ajustou-se não se lhe pedir. (Notas 427 a 429).

Só podem confessar validamente aqueles que tem a livre administração de seus bens.

Era nula, portanto, a confissão do pupilo, sem a autoridade de seu tutor: a do pródigo, sem a autoridade de seu curador: a da mulher, sem a autoridade do marido e, a respeito de bens de raiz, a do marido sem a outorga da mulher ( nota 430).

São objeto da confissão somente os fatos, isto é, os presentes, ou os pretéritos, não os futuros.

Diz Moacyr Amaral Santos: Só os fatos são suscetíveis de prova, não o direito. Meio de prova, que é, a confissão só se refere a fatos. (p. 31)A confissão deve ser: I, séria: II, verdadeira: III, espontânea: IV, certa e clara: V, e verossímil.

Não valia como confissão a feita por brincadeira. Presumia-se séria a confissão feita pelos que estavam a morrer. A confissão feita por erro não prejudicava o confitente, por não ser verdadeira. O erro, porém, havia ser de fato, não de direito. Contudo, não valia como confissão feita contra a evidência do direito, como a de confessar alguém que vendeu a sua herdade, mas sem que fosse ajustado qualquer preço.A confissão devia ser espontânea, não valendo como tal a extorquida à força, como a feita entre tormentos.Não valia como confissão que não fosse clara, mas duvidosa e escura.(Notas 434 a 438).

A confissão extrajudicial pode ser feita: I, ou por instrumento: II, vocalmente, e por palavras.

A confissão extrajudicial era havida como prova semi-plena (nota 439).Pergunte pra Magnólia. Esta estória é contada por George Fischer.Um caminhão da empresa Brink foi assaltado por um casal, um homem e uma mulher. Tendo colhido provas substanciais, a polícia indiciou Magnólia Sharp como co-autora do crime. A partir de uma pista, um detetive dirigiu-se à casa de Robert Barton. O detetive tocou a campainha. Quem atendeu à porta foi a mãe de Robert. O detetive explicou que desejava falar com Robert a propósito do assalto a uma caminhão. A mãe de Barton dirigiu-se ao filho, que estava sentado vendo televisão, e disse: “Bobby, você assaltou aquele caminhão? Não minta pra sua mãe”. Sem tirar os olhos da televisão, Barton disse: “Pergunte pra Magnólia. Foi dela a idéia”.

A confissão judicial faz-se por um dos três modos: I, ou por termo nos autos: II, ou em artigos: II, ou por depoimento.

A confissão da parte feita perante o juiz precisava ser reduzida a termo. A confissão feita em artigos pelo advogado da parte era prova plena. Era também plena a confissão judicial feita por depoimento (notas 441 a 443).Diz Moacyr Amaral Santos que a confissão judicial, quanto à forma, pode ser verbal ou escrita, expressa ou tácita: quanto à origem, espontânea ou provocada.Verbal é a confissão resultante de depoimento pessoal, que se processa oralmente.Escrita é a feita por petição, assinada pela parte ou mandatário com poderes especiais.Expressa é a consistente em declaração em que se reconhece o fato litigioso.Ficta, tácita ou presumida, a que decorre do silêncio, nos casos estabelecidos em direito.Espontânea, a feita por iniciativa do confitente.Provocada, a resultante das respostas em depoimento ou do não comparecimento para prestá-lo ou da recusa a responder. (p. 111-12).

São efeitos da confissão: I, fazer as vezes da sentença, e coisa julgada: II, suprir os defeitos do processo: III, infringir todas as outras provas, e a mesma sentença proferida a favor do confitente ainda que houvesse passado em julgado.

Soa algo estranho que a confissão pudesse substituir a sentença, ou, como diz Pereira e Sousa, “fazer as vezes da sentença, e coisa julgada”. Tem-se aí um eco do Direito Romano clássico, que deixara de ser exato já na extraordinária cognitio do Direito Romano.É certo que Ulpiano disse: confessus pro iudicato habetur, isto é, o que foi confessado tenha-se por julgado.Lembremo-nos de que no período das legis actionis e no formulário, o processo dividia-se em duas fases: a fase in jure, perante o pretor, que dava ou negava a ação, e a fase in judicio, perante o juiz designado, a quem cabia receber as provas, ouvir as razões das partes e proferir a sentença. Havendo confissão na fase in jure, ficava prejudicada a segunda fase do processo. Não havia necessidade de sentença do juiz. Tendo sido o réu o confitente, o pretor se limitava a pronunciar a addictio, a significar que nada mais havia a fazer senão instaura-se a execução. Exato, então, o dito de Ulpiano: confessus pro judicato habetur. Sobreveio, porém, a extraordinária cognitio, processo que se desenrolava todo perante o magistrado, não mais havendo uma segunda fase perante um juiz privado. Embora não o digam as fontes com clareza, parece certo que nesse novo tipo de processo a confissão passou a ser, como o é, agora, um meio de prova, que não dispensa a prolação da sentença. (Moacyr Amaral Santos, v. II, p. 83).Parece, contudo, que, ao tempo de Pereira e Sousa, havendo confissão judicial do réu, não se proferia sentença condenatória, extraindo-se desde logo mandado de solvendo, isto é, mandado para pagar (nota 444).

A confissão prejudica somente àquele que confessa, não a terceiro.

A confissão a respeito de terceiro não era havida como confissão, mas como simples testemunho. A confissão que fizesse o marido de haver recebido o dote da mulher não prejudicava os credores: a confissão do devedor não prejudicava o fiador: a do procurador não prejudicava o constituinte: a do tutor ou curador, ao tutelado ou curatelado. (Notas 447 e 448).A confissão – diz Moacyr Amaral Santos – prova contra o confitente. Ela prova os fatos sobre os quais recai, fornecendo ao juiz a certeza legal, conduzindo-o a nela fundar sua decisão, sem necessidade de outros elementos probatórios acaso reclamados para a formação da certeza moral. Mas, o confitente se prolonga nos seus herdeiros, que o susbstituem, naturalmente, nos seus direitos e obrigações. Por isso, para maior clareza, é de completar-se o princípio enunciado: - a confissão prova contra o confitente e seus herdeiros. (p. 235).Pois é. Enquanto isso, em 1816, Marcelino era ordenado padre e, em 1817, fundava o Instituto dos Irmãozinhos de Maria, conhecido como Instituto dos Irmãos Maristas.

FISHER, George. Evidence. 3. ed. New York: Foundation Press, 2013. p. 489SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no cível e no crime. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, s/d. v. II.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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