Episódio 69: Primeiras Linhas de Processo Civil. 26 – Das presunções, do arbitramento e da vistoria
Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner
Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner
Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres
Duração do episódio: 06 minutos e 58 segundos
Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza
Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner
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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa
Das presunções, do arbitramento e da vistoria
Quem foi Joaquim José Caetano Pereira e Sousa? Henrique Barahona informa que ele nasceu no dia 3 de fevereiro de 1756, pouco mais de tre?s meses depois do ? terremoto que destruiu Lisboa. Vinha de uma fami?lia de letrados, circunsta?ncia que avalizou o seu ingresso na Ordem do Cristo, em cujo processo de habilitac?a?o se verificou na?o ser ele descendente de quem tivesse exercido ofi?cios manuais, o que seria um o?bice intransponi?vel para a postulac?a?o. Com nove anos de idade, principiou seus estudos menores ja? dentro do espi?rito do pombalismo.Em 1785 publicou as “Primeiras Linhas sobre o Processo Criminal”, que mereceu elogio de Pascoal Jose? Mello Freire. Em 1803 publicou a “Classe dos Crimes, nitidamente inspirado em Montesquieu, que concebia o enta?o direito criminal por classes e subclasses no “Espi?rito das Leis”. Na virada do se?culo XVIII para o se?culo XIX, comec?ou a escrever o que seria um primeiro ensaio sobre o processo civil. O manuscrito, existente na Biblioteca do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Lisboa, e que jamais chegou a ser publicado, na?o tendo paginac?a?o nem data, apresenta o ti?tulo: “Ensaio sobre a Teoria da Pra?tica do Direito, ou Tratado do uso das Acc?o?es no Foro Moderno, e da Ordem Judicia?ria”. Em 1804, obteve o ha?bito da Ordem do Cristo, na e?poca considerada “a insi?gnia mais cobic?ada para referenciar a nobreza e fidelidade a? coroa” (ANASTACIO, 2007:367). Em 1809 foi denunciado a? poli?cia por seu envolvimento na mac?onaria. Na?o ha? noti?cias, contudo, de que tenha sido preso, talvez valendo-se da sua rede de relações sociais. Nem apareceu na “Setembrizada” de 1810, quando centenas de pedreiros-livres foram perseguidos, presos e deportados de Portugal. Em 1810 deu a? estampa o primeiro tomo das “Primeiras Linhas sobre o Processo Civil”, com 280 pa?ginas, impresso pela tipografia “Lacerdina”. E para a feitura dos demais tomos que completariam a obra, contaria com o Aviso de 4 de agosto 1812, pelo qual o pro?prio D. Joa?o VI ordenava ao guarda-mo?r da Torre do Tombo autorizar-lhe a consulta de tudo o que julgasse conveniente para o trabalho que “louvavelmente se empregara?” (LOUREIRO, 1947:437). Foi escriva?o do crime de Alfama (1778): Oficial de guarda da Alfa?ndega (1811) e escriva?o do Geral e da Ca?mara da Vila de Arruda (1817). Atuou como advogado, tendo sido curador judicial das “casas” falidas e endividadas da aristocracia portuguesa. Da casa do visconde de Assecaele foi curador desde pelo menos 1812, continuamente ate? 1817, pouco antes de vir a falecer, em 1819.
Apresentada essa nota biográfica, retomamos nossa conversa com Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, que diz:
A presunção é a legítima dedução que se faz de um fato para o conhecimento da verdade de outro.
Divide-se em presunção de direito, e em presunção simples, ou de homem.
Observa Moacyr Amaral Santos que a presunção resulta de um processo lógico pelo qual, guiado pelo que segundo a ordem natural das coisas ordinariamente acontece, do fato conhecido se infere o desconhecido. Vale dizer: a presunção é consequência que o juiz tira do fato conhecido, norteando-se por aquilo que ordinariamente acontece.Em certos casos, o raciocínio lógico é antecipadamente feito pelo legislador, consagrando-o num preceito legal. Substituindo-se ao juiz, o legislador estabelece a presunção, de modo que, provadas certas circunstâncias, o juiz deve ter por certos os fatos. Mas num e outro caso, trata-se de conseqüência extraída de um fato conhecido, tendo em vista o que ordinariamente acontece. (p. 409-11).As presunções de direito gerais reduzem-se a quatro: I, as qualidades que são inerentes à coisa, ou à pessoa se presumem: II, as coisas que são de fato não se presumem: III, a mudança não se presume: IV, sempre se presume o melhor, e o honesto.
Quanto às qualidades inerentes à coisa ou a pessoa: Presume-se a piedade dos pais para com os filhos: presume-se qualquer homem ser são de entendimento: não se presume o erro nos contratos.Quanto às coisas de fato: Não se presume a dívida, nem o pagamento.Quanto à mudança: O domicílio, uma vez constituído, presume-se que permaneceu: não se presume a mudança da vontade do testador.Quanto à presunção do melhor: presume-se a idoneidade da mãe ou da avó para ser tutora do filho ou neto.O efeito da presunção de direito é relevar a parte, por quem milita, do ônus da prova.
Não tem este efeito a presunção simples, ou de homem, a qual não remove o ônus da prova para a parte contraria, nem faz que por ela só se deva julgar na falta de prova em contrário. (nota n. ...)Estabelece o artigo 334 do Código vigente que não dependem de prova, entre outros, os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.No caso de presunção legal relativa, inverte-se o ônus da prova, que recai sobre a parte contraria à favorecida pela presunção. A parte contrária precisa comprovar que não ocorreu o fato presumido.Observa José Carlos Barbosa Moreira que as presunções legais absolutas, isto é, as que não admitem prova em contrario, nada tem a ver com a prova. Do ponto-de-vista técnico, representam – e nisso não se distinguem das ficções – meros expedientes ordenados à equiparação de efeitos entre esquemas de fato diferentes. Como tais, manifestam e exaurem a sua eficácia normativa no plano material. Dificimente se legitima, portanto, a maneira tradicional de considerar essas presunções e as relativas como se fossem espécies do mesmo gênero.Na colisão de presunções a especial prefere à geral, e entre as presunções especiais preferem as presunções violentas às que o não são.Concorrendo somente presunções simples, tem então lugar o prudente arbítrio do juiz.
Tanto quanto a lei especial derroga a geral, assim a presunção especial afasta a geral. Presunção violenta, no texto, tem o sentido de presunção forte: a presunção mais forte vence a mais débil.O arbitramento é a estimação feita por louvados nomeados pelas partes, ou pelo juiz das coisas consistentes em fato de que depende a decisão da causa.
Louvados eram pessoas instruídas, e experimentadas, autorizadas competentemente para ajuizarem, e prestarem os seus laudos sobre a natureza, qualidade, quantidade, e valor de certos objetos contenciosas dependentes de sua arte, ou dos seus conhecimentos (nota 534).
Deve o arbitramento ser feito em boa consciência, segundo o costume geral da terra.
O arbitramento a que se refere o texto era o do arbitrador, isto é, um técnico convocado para esclarecer um ponto controverso de fato.
Não concordando os louvados, deve nomear-se um terceiro que desempate.
Diziam as Ordenações: E se os ditos arbitradores discordarem em seu arbitramento, os juízes, que o mandarem fazer, escolherão outro terceiro a aprazimento das partes, que se acorde com um dos principais arbitradores, que melhor lhe parecer. E se as partes se não quiserem louvar no terceiro, os juízes de seu ofício o escolherão, fazendo-o sempre a mais aprazimento das partes, que puderem (Livro III, 17, 2).
O arbitramento não tem o efeito de sentença, mas só de prova subsidiária do fato.
Vê-se que, então como hoje, o juiz não ficava vinculado ao laudo dos louvados.
A vistoria é o ato judicial pelo qual o juiz se certifica do fato que se controverte em juízo, por meio da inspeção ocular.
Era a vistoria uma prova plena, a mais plena de todas as provas.
Regularmente a vistoria deve ser feita na presença do juiz.
A vistoria não excluía, quando necessária, a participação de louvados, que deviam jurar sobre os evangelhos. (Nota 540). Não cabia a vistoria nas coisas de fato transeunte: somente nas de fato permanente.
Deve a vistoria reduzir-se a auto.
Era o auto de vistoria assinado pelo juiz e pelos louvados. :
Pois é. Com este episódio estamos encerrando a série “História do Processo Judicial”. Obrigado pela atenção eTchau!
BARAHONA, Henrique. Joaquim Jose? Caetano Pereira e Sousa e as “primeiras linhas” da modernidade juri?dica luso-brasileira (se?cs. XVIII/XIX). http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400248157_ARQUIVO_Anpuh_2014.pdf. Acesso em 24/08/2014
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e no crime. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1968. v .V.MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 67.

