Episódio 14: Tribunal de Contas e sigilo bancário
Texto: | José Tesheiner | |
Narração: | José Tesheiner, Marcelo Hugo da Rocha e Marcelo Bopp Tesheiner | |
Apresentação: | Bruno e Júlio Tesheiner | |
Duração: | 9 minutos e 55 segundos | |
Música: | '@HereIPop' de I Forgot: 'Epilogue', de Dee Yan-Key | |
Edição de áudio: | André Luís de Aguiar Tesheiner |
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Prova ilícita - Fiscalização do Tribunal de Contas e sigilo bancário
O Tribunal de Contas da União, no exercício de suas atribuições constitucionais, ao proceder auditoria na prestação de contas do Banco Central, relativa ao exercício de 1995, determinou que o Banco adotasse “as providências necessárias, com vistas a disponibilizar, aos servidores devidamente credenciados Pelo Presidente do Tribunal de Contas da União, o acesso, via terminal eletrônico de dados, às transações do Sistema de Informações do Banco Central- SISBACEN – de potencial interesse ao controle externo especificadas”.
Não tendo sido atendido, o Tribunal de Contas da União impôs ao Presidente do Banco Central multa de R$ 4.900,00, fixando-lhe o prazo de 15 dias para efetuar e comprovar seu recolhimento aos cofres do Tesouro Nacional, autorizada desde logo a cobrança judicial da dívida, caso não atendida a notificação, ameaçando ainda o responsável com o afastamento temporário do exercício de suas funções.
Em face desses acontecimentos, o Banco Central impetrou mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal, afirmando que “algumas das transações, na área do Departamento de Pessoal, eram de interesse e consulta pessoal de cada servidor da autarquia”: certas transações, a cargo de diversas Unidades, permitiriam inclusões, exclusões ou alterações das bases de dados, sendo, assim, consideradas “transações de segurança”, por isso mesmo de acesso restrito a um número limitado de funcionários, especificamente selecionados e qualificados” e, ainda, “algumas transações não poderiam ser divulgadas em função das normas que disciplinam o sigilo bancário”.
No julgamento, o Ministro Menezes Direito, referiu o artigo 71 da : Constituição, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei 8.443/92), o artigo 389 da Lei 4.595/64, revogado pela Lei Complementar n. 105/2001, que dispôs sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, dizendo, a seguir:
Como se vê dos artigos transcritos, referida Lei Complementar não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Legislativo Federal, bem como às Comissões Parlamentares de Inquérito, após previa aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito.
Verifica-se, ainda, que a Lei Complementar em questão foi exaustiva acerca da matéria. Nessa hipótese, embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das pessoas enumeradas no artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5o, X, da Constituição Federal que protege a intimidade e a vida privada, art. 5o, X, da Constituição Federal, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário.
Esclareço, ainda, que não se trata de sobrepor o interesse particular ao interesse público, mas, tão-somente, aplicar a legislação pertinente ao tema “sigilo das operações financeiras.
Em seu voto, disse o Ministro Ricardo Lewandowski:
... o Tribunal de Constas da União é um órgão auxiliar do Congresso Nacional: o próprio Congresso Nacional não pode quebrar o sigilo fiscal, telefônico e bancário indiscriminadamente. Ele só poderá fazê-lo através de uma comissão parlamentar de inquérito, nos termos do artigo 58, § 3o, da Constituição, de forma motivada para investigar fato determinado, por prazo certo, e mediante requerimento de um terço de cada uma das Casas.
Disse o Ministro Celso de Mello, em seu voto:
... não assiste, ao Tribunal de Contas da União (tanto quanto ao Ministério Público, o poder de requisitar, por autoridade própria, não só ao Banco Central, mas a qualquer instituição financeira, a quebra do sigilo bancário.
(...)
... o direito à intimidade representa importante manifestação dos direitos de personalidade – qualifica-se como expressiva prerrogativa de ordem jurídica que consiste em reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um espaço indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências de terceiros na esfera de sua vida privada.
(...)
Embora o sigilo bancário, também ele, não tenha caráter absoluto, deixando de prevalecer, por isso mesmo, em casos excepcionais, diante de exigências impostas pelo interesse público, não se pode desconsiderar, no exame dessa questão, que o sigilo bancário reflete uma expressiva projeção de garantia fundamental da intimidade – da intimidade financeira das pessoas, em particular, não se expondo, em conseqüência, enquanto valor constitucional que é, a intervenções estatais desvestidas de causa provável ou destituídas de base jurídica idônea.
(...)
O direito à inviolabilidade dessa franquia individual – que constitui um dos núcleos básicos em que se desenvolve, em nosso Pais, o regime das liberdades públicas, ostenta, no entanto, caráter meramente relativo. Não assume nem se reveste de natureza absoluta. Cede, por isso mesmo, e sempre em caráter excepcional, às exigências impostas pela preponderância axiológica e jurídico-social do interesse público.
A pesquisa da verdade, nesse contexto, constitui um dos princípios dominantes e fundamentais no processo de “disclosure” das operações celebradas no âmbito das instituições financeiras. Essa busca de elementos informativos – elementos estes que compõem o quadro de dados probatórios essenciais para que o Estado desenvolva regularmente suas atividades e realize os fins institucionais a que se acha vinculado, sofre os necessários condicionamentos que a ordem jurídica impõe à ação do Poder Público.
(...)
Sendo assim, impõe-se o deferimento da quebra de sigilo bancário, sempre que essa medida se qualificar como providência essencial e indispensável à satisfação das finalidades inderrogáveis da investigação estatal, desde que não exista nenhum meio menos gravoso para a consecução de tais objetivos.
Contudo, para que essa providência extraordinária, e sempre excepcional, que é a decretação da quebra do sigilo bancário seja autorizada, revela-se imprescindível a existência de causa provável, vale dizer, de fundada suspeita quanto à ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público.
(...)
A exigência de preservação do sigilo bancário – enquanto meio expressivo de proteção ao valor constitucional da intimidade – impõe ao Estado o dever de respeitar a esfera jurídica de cada pessoa. A ruptura desse círculo de imunidade só se justificará desde que ordenada por órgão estatal investido, nos termos de nosso estatuto constitucional, de competência jurídica para suspender, excepcional e motivadamente, a eficácia do princípio da reserva das informações bancárias.
Em tema de ruptura do sigilo bancário, somente os órgãos do Poder Judiciário dispõem do poder de decretar essa medida extraordinária, sob pena de a autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucionalmente assegurada às pessoas. Apenas o Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentes de Inquérito, pode eximir as instituições financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário.
Decisão
A segurança foi concedida por unanimidade.
(STF, Pleno, MS 22.801, Min. Menezes Direito, rel., j. 17/12/2007).
Comentário
Como cidadão, fico a pensar quê suspeita, dita infundada, tinha o Tribunal de Contas, que deixou de ser investigada, protegida pelo manto do sigilo bancário...