Episódio 18: Prova ilícita - Escuta clandestina

Texto: José Tesheiner
Narração:

José Tesheiner e Marcelo Hugo da Rocha

Apresentação: Bruno e Júlio Tesheiner
Duração: 07 minutos e 02 segundos
Música: '@HereIPop' de I Forgot: 'Epilogue', de Dee Yan-Key
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

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Cabe habeas corpus para o desentranhamento de escuta ilegal entre um quadrilheiro e seu comparsa?

A policia descobriu que Francisco ... fazia parte de uma quadrilha internacional que fornecia armas de grosso calibre, munições e outros acessórios bélicos para os traficantes dos principais morros da cidade.

Ele foi preso (ilegalmente, porque sem ordem judicial) e, preso, confessou informalmente, sem que se lhe desse ciência do direito de ficar calado. Instado pela policia, telefonou para um comparsa, a policia gravando a conversa.

Instaurada a ação penal, Francisco impetrou habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, com pedido de desentranhamento dos autos das fitas K-7 contendo a gravação, do laudo pericial que a transcrevia, das correspondentes declarações dos detetives, bem como das provas posteriormente obtidas mas delas decorrentes.

Em seu voto, disse o Ministro Sepúlveda Pertence:

Preliminarmente, tenho o habeas corpus, como admissível, em tese, para impugnar a inserção de prova ilícita em procedimento penal e postular o seu desentranamento.

(...)

Ninguém aqui desconhece a disceptação, ainda insepulta, entre as duas posturas básicas acerca da admissibilidade no processo das provas ilícitas – como tais consideradas as que obtidas com violação de direitos fundamentais.

(...)

Na ordem constitucional brasileira (...) inspirada no ponto pelo art. 32.6, da Constituição portuguesa -, a opção pelo repúdio à prova ilícita é inquívoca:

Art. 5o , LVI. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos.

Guarda da Constituição – e não dos presídios – é dessa opção clara, inequívoca, eloqüente, da Constituição – da fidelidade à qual advém a nossa própria legitimidade – é de que há de partir o Supremo Tribunal Federal.

Ora, até onde vá a definição constitucional da supremacia dos direitos fundamentais, violados pela obtenção da prova ilícita, sobre o interesse da busca da verdade real no processo, não há que apelar para o princípio da proporcionalidade, que, ao contrario, pressupõe a necessidade da ponderação de garantias constitucionais em aparente conflito, precisamente quando, entre elas, a Constituição não haja feito um juízo explicito de prevalência.

(....)

... graduar a vedação da admissibilidade e valoração da prova ilícita, segundo a gravidade da imputação, constituiria instituir a sistemática violação de outra garantia constitucional – a presunção de inocência – em relação a quantos fossem acusados ou meramente suspeitos da prática de determinados crimes.

Abstraio-me, por conseguinte, no caso, de qualquer consideração da exprema gravidade dos delitos, da participação nos quais é suspeito o paciente, pois delas não pode resultar emprestar-se menor peso à vedação constitucional da prova ilícita.

(...)

O interrogatório é a única forma legal de tomada, no inquérito policial, de declarações do indiciado: nele, não há espaço para acolher como declarações do indiciado – e menos ainda para validar eventual confissão nelas contida -, o registro, gravado ou não, de “conversa informal” dele com policiais.

A Constituição, no entanto, aditou outra exigência essencial à valoração no processo de declarações do indiciado ou do réu, ao erigir, como garantia fundamental do acusado:

Art. 5o, XVIII. O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado...

(...)

A falta da advertência – e, como é óbvio, da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o acusado, ainda quando observadas as formalidades procedimentais do interrogatório.

(...)

De deferir, pois, o desentranhamento do K-7 que contem a gravação da dita “conversa informal”, assim como a parte do laudo pericial que registra a sua transcrição.

(...)

no dia do telefonema, o paciente estava ilegalmente preso: reporto-me ao que demonstrado no capítulo anterior deste voto, com referencia à “conversa informal”, que precedeu e no curso da qual se teria comprometido ele ao telefonema para o comparsa delatado.

Para mim, é quanto basta para duvidar da existência e, de qualquer modo, negar validade jurídica ao seu aparente assentimento na empreitada de captação das mensagens do seu suspeitado comparsa e chefe na organização criminosa.

(...)

.... a incindibilidade das participações individuais no fato único implica a incindibilidade da ilicitude da prova, ainda quando se pudesse reputar livre a cooperação do paciente na escuta do seu próprio telefonema para o comparsa.

A mim (...) vale repisar, basta-me estar o paciente ilegalmente preso, na ocasião, para subtrair qualquer efeito à sua participação na escuta telefônica não autorizada e, consequentemente, para estender-lhe a ilicitude da prova, que, portanto, também deve ser excluída dos autos.

Da ilicitude das gravações e transcrições decorre imediatamente – e não por contaminação – a do relatório escrito de um e as declarações reduzidas a termo de outro dos policiais que participaram tanto da “conversa informal”, quando da escuta telefônica e que se referem ao conteúdo de ambas as operações ilegais.

Decisão

O habeas corpus foi concedido por unanimidade.

 :(STF, habeas corpus 80.949, Min. Sepúlveda Pertence, relator, j. 30/10/2001).

Assim, responde-se à pergunta posta no início deste Código, afirmando-se que cabe habeas corpus para o desentranhamento de escuta ilegal entre um quadrilheiro e seu comparsa.

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Episódio 18: Prova ilícita - Escuta clandestina -     Texto: José Tesheiner  ...

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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