18/03/2021: UM BALANÇO CRÍTICO DOS PRIMEIROS 5 ANOS DE VIGÊNCIA DO NOVO CPC
Olhando para um passado que começa a ficar distante, o que esperávamos no dia 18/03/2016, data em que, segundo o entendimento do STJ, entrou em vigor a Lei nº 13.105/2015 – novo Código de Processo Civil? Talvez, ingenuamente, aguardássemos uma autêntica revolução no processo civil brasileiro.
Sintonia fina entre a prática judicial e os direitos fundamentais processuais, especialmente em relação ao contraditório forte, objeto de pelos menos 3 artigos da Parte Geral (7º, 9º e 10), e à motivação das decisões judiciais, densificada no dever de fundamentação analítica do art. 489, § 1º.
Maior celeridade, com eliminação de etapas inúteis, simplificação formal, supressão de recursos e reforço às técnicas de julgamento em bloco de questões repetitivas: falava-se em reduzir o tempo de tramitação dos feitos em até 70%!
Efetiva abertura aos meios adequados de tratamento de conflitos, sobretudo aos autocompositivos (art. 3º), estes exemplificados pela audiência do art. 334.
Incremento da gestão de processos judiciais, com a previsão revolucionária do calendário processual (art. 191).
Um processo civil aberto ao autorregramento da vontade (liberdade, autonomia privada no processo), com amplas possibilidades de celebração de negócios processuais destinados a ajustar procedimento e poderes das partes às peculiaridades da causa e aos interesses concretos dos litigantes.
Mais segurança, com um robusto sistema de precedentes vinculantes, destinados a promover amplamente a segurança jurídica e a unidade do direito.
Talvez o sentimento entre os estudiosos do processo não fosse propriamente o de uma ruptura com o sistema reformado do CPC/1973 (que, em alguma medida, já dialogava com a Constituição Cidadã de 1988), mas ao menos o de um grande aperfeiçoamento, quiçá um verdadeiro salto qualitativo na administração da justiça civil no Brasil, com profundos impactos na técnica processual e ganhos verdadeiros em termos de uma tutela efetiva, adequada e tempestiva dos direitos.
Hoje, passados exatos 5 anos de vigência do novo Código, em que pese haja inegáveis avanços, a realização desses objetivos ainda parece um tanto distante.
Nesse sentido, percebe-se claramente uma atenção maior dos tribunais ao contraditório forte e efetivo, em especial à vedação de decisões-surpresa. O mesmo, contudo, não se pode dizer do dever de fundamentação – verdadeiro banco de provas do contraditório –, sobretudo na feição analítica proposta pelo novo Código. Ainda pululam decisões baseadas na mera invocação ou transcrição de textos legais, fundamentações genéricas, aplicações automáticas de ementas e teses de tribunais superiores e afastamento de regras legais específicas com base em princípios constitucionais genéricos – verdadeiros 'passes de mágica' ou 'coelhos' tirados da 'cartola' – sem maior esforço argumentativo.
Da desejada celeridade estamos muito distantes, o que é agravado – ao menos em minha experiência como advogado em Porto Alegre e Brasília, peregrinando por todos os graus de jurisdição – pela atual pandemia de covid-19. Os processos, mesmo eletrônicos, parecem andar muito lentamente, ainda que se trate da tomada de providências simples, como juntada de petições, cumprimento de mandados, proferimento de simples despachos para prorrogação de prazos processuais... A tão necessária implantação da repercussão geral no âmbito do recurso especial segue pendente, por depender da edição de emenda constitucional. Incrivelmente, o maior impulso na imposição de alguma celeridade e agilidade à tramitação das causas parece não ter vindo propriamente do novo CPC, mas da dura imposição da realidade do distanciamento social. A pandemia talvez tenha precipitado em alguns anos o uso massivo e generalizado da tecnologia, sobretudo com a implantação de audiências e sessões virtuais e por videoconferência, bem como com a aplicação cada vez mais intensa da inteligência artificial, tanto na otimização da rotina dos grandes escritórios de advocacia quanto na busca pela eficiência na gestão de demandas em todas as instâncias do Poder Judiciário.
Ademais, a audiência de conciliação ou de mediação do art. 334 parece ser um verdadeiro fracasso. Por um lado, essa solenidade supõe uma profunda mudança cultural (teríamos de ter passado da 'cultura da sentença', do litígio, para a 'cultura da pacificação', como propõe Kazuo Watanabe) que, por enquanto, não veio: advogados e partes a ela comparecem sem a menor disposição de conciliar: não há conciliadores e mediadores judiciais em número suficiente (em que pese os esforços dos CEJUSCs na formação de recursos humanos): os juízes não raro a dispensam mesmo fora das hipóteses legais. Por outro lado, a própria ideia de uma audiência de simples conciliação, sem saneamento e concentração da causa, parece ser um duro golpe na realização do 'Sistema da Oralidade' no Brasil, o que nos afasta de nossos irmãos latino-americanos (que nele apostam), levando-nos a um verdadeiro 'suicídio' processual, como observou o saudoso mestre Michele Taruffo, em comentário durante um evento realizado em Porto Alegre.
Todavia, o instituto da arbitragem se mostra plenamente consolidado e continua em franca expansão, assim como outros meios adequados de tratamento de conflitos, com o florescimento de câmaras privadas de mediação empresarial e familiar e de comitês de resolução disputas ('dispute boards').
De calendário processual ainda não se ouviu falar. No máximo, vê-se a definição de roteiros unilaterais de atos processuais por parte do magistrado condutor do processo. Tais roteiros – em que pese tenham alguma utilidade – em nada se assemelham à figura consensual idealizada pelo art. 191. De fato, a implantação cada vez maior de práticas gerenciais no processo civil, seja na perspectiva micro (gerenciamento da causa), seja na perspectiva macro (gerenciamento de todas as causas em tramitação em um órgão judicial, em um ramo da Justiça, no Judiciário inteiro), parece provir de fatores alheios ao CPC, sendo impulsionada pelo planejamento estratégico dos próprios tribunais e pela ação do CNJ.
O negócio processual tem chamado de forma intensa a atenção da doutrina e vai se fazendo presente – se bem que um tanto lentamente – na prática contratual. Em que pese o caráter excessivamente amplo do art. 190, o futuro se revela promissor para o influxo do autorregramento da vontade no processo, sobretudo com o surgimento das primeiras balizas do STJ acerca da interpretação desse dispositivo legal.
De um sistema de precedentes efetivamente operacional, segundo meu ponto de vista, pouco ou nada se pode até agora dizer. Temos um sistema proposto pelo Código – não totalmente claro, nem perfeitamente coerente, nem isento de críticas. Um sistema que tem gerado profundos desacordos na doutrina, em que pese alguns autores venham se destacando por pela apresentação e pelo aperfeiçoamento constante de construções sólidas, elaboradas e bem fundamentadas. Entre os operadores do direito, parece haver baixa compreensão a respeito do que sejam precedentes e acerca do método refinado de trabalho que eles exigem – verdadeira mudança de racionalidade! Continuamos presos, em nossas petições e despachos, à mera transcrição de ementas ('ementismo') e à simples aplicação de teses firmadas pelos Tribunais Superiores, como se fossem artigos de lei ('tesismo'). Fundamento determinante ('ratio decidendi')? Afirmação feita de passagem ('obiter dictum')? Moldura fática? Raciocínio analógico? Distinção ('distinguishing')? Superação ('overruling')? No dia a dia, passamos ao largo de tudo isso. Quando muito, tentamos alguma modulação de efeitos – isso quando não a realizamos de modo equivocado. O foco dos tribunais aparentemente reside mais na padronização de julgamentos e na consequente diminuição da desumana carga de trabalho do que na necessária unificação da interpretação de textos normativos constitucionais e legais, com vistas à construção de um sistema capaz de oferecer segurança jurídica e de promover igualdade e liberdade, consoante sublinha Daniel Mitidiero.
E suma, em que pese todas as novidades que tentei brevemente inventariar, temo que os avanços mais 'disruptivos' em termos de evolução da técnica processual e de incremento da tutela dos direitos, nos últimos tempos, não tenham vindo do CPC. Basta fazer referência aos 'processos estruturais' para ver como é possível, graças ao labor intenso de doutrinadores e magistrados, criar do nada todo um ramo do Direito Processual.
Isso tudo nos mostra que a entrada em vigor do novo CPC constituiu apenas o primeiro passo na busca de uma justiça civil de melhor qualidade. Resta um longo caminho a ser percorrido, a fim de que se tenha um processo civil mais seguro, efetivo e célere. Ou seja, mais justo. E isso passa pelo necessário amadurecimento do esforço doutrinário (não mais voltado, como antes, à 'explicação' do sistema legal, mas à efetiva resolução de problemas práticos complexos a partir do Código) e pela apropriação reflexiva de novos métodos de trabalho por parte dos operadores do direito.
Klaus Cohen Koplin - :Doutor em Direito pela UFRGS. Professor Associado no Departamento de Direito Privado e Processo Civil da Faculdade de Direito da UFRGS. Professor Doutor na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e a Comissão Especial de Arbitragem da OAB/RS. Advogado Sócio do Escritório Freitas Macedo Advogados. Email: klaus.koplin@freitasmacedo.com.
KOPLIN, Klaus Cohen Koplin. 18/03/2021: UM BALANÇO CRÍTICO DOS PRIMEIROS 5 ANOS DE VIGÊNCIA DO NOVO CPC. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1490, 21 de Março de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/18-03-2021-um-balanco-critico-dos-primeiros-5-anos-de-vigencia-do-novo-cpc.html