APLICABILIDADE DA TÉCNICA PREVISTA NO ART. 942 DO CPC/2015 AO MANDADO DE SEGURANÇA
Introdução
Há algum tempo, a 2ª Turma do STJ, reafirmando julgamento anterior proferido pela 1ª Turma, considerou que a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015 também é aplicável ao julgamento não unânime de apelação interposta contra sentença proferida em mandado de segurança.
Para emitir um juízo fundamentado em relação a esse posicionamento, considero necessário retroceder alguns passos e repisar o cabimento do remédio precedente à técnica do art. 942 – ou seja, o recurso de embargos infringentes –, bem como a forma como os tribunais superiores se posicionaram em relação à sua inaplicabilidade ao procedimento do mandado de segurança. A seguir, cumpre elencar as razões que levaram as duas Turmas do STJ a adotar esse entendimento, submetendo-o, em seguida, a uma análise crítica.
Do cabimento dos embargos infringentes no CPC/1973
Como anota a doutrina[1] o recurso de embargos infringentes (outrora denominados “embargos infringentes e/ou de nulidade”)[2] encontra suas raízes na tradição luso-brasileira, com antecedentes remotos nas Ordenações do Reino, passando pelo Regulamento nº 737/1850 arts. 662-664) até o CPC/1939 (art. 833, várias vezes alterado).
Ausente no Anteprojeto elaborado por Alfredo Buzaid, o recurso em questão acabou incorporado ao texto final aprovado pelo Congresso Nacional, tendo seu cabimento delineado no art. 530 do CPC/1973.[3] Originalmente, esse artigo apresentava a seguinte redação: “Cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.”
Em atendimento a um clamor pela limitação das hipóteses de cabimento do recurso, editou-se a Lei nº 10.352, de 26/12/2001 (“Reforma da Reforma”), conferindo nova redação ao art. 530 do CPC/1973, conforme os termos seguintes: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.”
Assim, o recurso de embargos infringentes passou a caber somente no caso de reforma da sentença de mérito, o que excluía sua admissibilidade em caso de manutenção da sentença por acórdão não unânime (critério da “dupla conformidade”).[4] Ademais, como observava a doutrina e a jurisprudência do STJ, não bastava que a sentença fosse de mérito, devendo sê-lo também (ou pelo menos) o próprio acórdão.[5] Como se percebe, a nova redação do artigo passou a excluir o recurso em caso de acórdão terminativo, ainda que majoritário, bem como na situação em que o acórdão se limitasse a desconstituir, por maioria, a sentença apelada.[6]
Portanto, a direção seguida pelo legislador, na vigência do CPC/1973, foi no sentido do progressivo estreitamento das hipóteses de cabimento dos embargos infringentes, o que sinalizava para uma possível eliminação do recurso no futuro, o que acabou se confirmando no novo Código, como se verá adiante.
Da Súmulas nº 597 do STF e nº 169 do STJ e do art. 25 da Lei nº 12.016/2009
Efetivamente, a discussão acerca do cabimento do extinto recurso de embargos infringentes em sede de apelação interposta no procedimento especial do mandado de segurança esteve constantemente presente nos tribunais superiores, tenho motivado a edição de pelo menos duas súmulas específicas a respeito desse assunto.
Com efeito, na sessão plenária de 15/12/1976, o Supremo Tribunal Federal aprovou o enunciado da Súmula nº 597, segundo o qual “Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança decidiu, por maioria de votos, a apelação”. Já em 16/10/1996, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça aprovou do texto da Súmula nº 169, segundo a qual “São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança”.[7]
Essa orientação restritiva restou reproduzida, no plano legislativo, no art. 25 da nova Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009), segundo a qual “Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé”.[8]
Ainda conforme a Súmula nº 390 do STJ, “Nas decisões por maioria, em reexame necessário, não se admitem embargos infringentes”.
Da técnica de julgamento ampliado prevista no art. 942 do CPC/2015
Como se sabe, o recurso de embargos infringentes foi eliminado pelo CPC/2015, com o que pareceria ter sido confirmada a tendência verificadas na “Reforma da Reforma” de 2001. Todavia, dando um passo atrás, o texto final do novo CPC[9] instituiu, em lugar desse recurso, o mecanismo previsto no seu art. 942: “Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”. Conforme o § 4º, inciso II desse artigo, “Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento: (...) da remessa necessária”.
Desde logo, convém reiterar que não se trata de recurso, mas verdadeira técnica de julgamento colegiado aplicável ao procedimento recursal (ou à ação rescisória, CPC/2015, art. 942, § 3º, I) no órgão fracionário (§ 4º, III) , devendo ser aplicada de ofício (isto é, automaticamente, sem necessidade de provocação de qualquer das partes) pelo tribunal.[10] Mais uma vez, reafirma-se a importância de um maior debate sobre as questões de fato no tribunal local, o que notoriamente não é possível nas instâncias superiores.
Tal mecanismo tem sido objeto de diversas manifestações do STJ, interessando, neste momento, as decisões que enfrentaram a questão concernente ao seu cabimento em relação ao recurso de apelação no procedimento especial da ação de mandado de segurança.
Do posicionamento manifestado pelas 1ª e 2ª Turmas do STJ
Com efeito, a Primeira Turma do STJ, em 2019, considerou aplicável a técnica em questão ao mandado de segurança, conforme se colhe da ementa do acórdão majoritário (vencido o Ministro Napoleão Maia Filho, então integrante da Corte) assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA, APELAÇÃO. ACÓRDÃO NÃO UNÂNIME. ART. 942 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA.
- O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3).
- A técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015 também tem aplicação para julgamento não unânime de apelação interposta em sede de mandado de segurança.
- Hipótese em que o julgamento da apelação foi iniciado na sessão de 11/04/2018, com a apresentação de voto divergente pela manutenção da sentença, o que impõe a sua continuidade, com a extensão do colegiado.
- Recurso especial provido.
(REsp 1817633/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 11/10/2019)
Como se percebe, essa ementa não enuncia nenhum argumento para justificar a extensão da técnica do colegiado ampliado ao procedimento do mandamus, sendo necessário, para tanto, examinar a fundamentação do acórdão, da qual constam os seguintes argumentos:
“Ocorre que, diversamente do assentado no acórdão recorrido, a lei que disciplina o mandado de segurança, Lei n. 12.016/2009, não contém nenhuma regra especial que regule o julgamento da apelação de maneira diversa.
O art. 14 da Lei n. 12.016/2009 apenas preconiza que "(d)a sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação", mas nada trata de seu procedimento.
Já o art. 25 da Lei n. 12.016/2009, que veda a interposição de embargos infringentes em mandado de segurança, não tem aplicação para as apelações julgadas por maioria já sob a égide do novo Código de Processo Civil, uma vez que o rito previsto no art. 942 do CPC cuida de nova técnica de julgamento que não se confunde com aquele recurso.
Embora a regra estampada no art. 942 do CPC alcance a mesma finalidade então almejada pelos embargos infringentes, de ampliação do colegiado em caso de divergência, ela não cuida de espécie recursal, visto que a sua aplicação de ofício se dá ainda durante o julgamento da apelação, suspendendo-o, não havendo falar, assim, em novo julgamento.”
O voto condutor cita, em abono de sua argumentação, manifestação doutrinária (no Curso de Direito Processual Civil de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, adiante referido), bem como o Enunciado nº 62 da I Jornada de Direito Processual Civil do Centro de Estudos Judiciário do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), segundo o qual “Aplica-se a técnica prevista no art. 942 do CPC no julgamento de recurso de apelação interposto em mandado de segurança”.[11]
Já a Segunda Turma do STJ, em julgamento unânime realizado em maio de 2021, reiterou esse entendimento, segundo se extrai da extensa e bem mais minuciosa ementa que segue:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA, APELAÇÃO. RESULTADO NÃO UNÂNIME. AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. ART. 942 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA.
I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que, em decisão por maioria em apelação, deixou de observar a técnica de ampliação do colegiado, que determina novo julgamento do recurso, prevista no art. 942 do CPC/2015, sob o fundamento de que o mandado de segurança permanece regulado por sua lei específica, nos termos do art. 1.046, § 2º, do CPC/2015.
II - O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 942, institui a técnica de ampliação do colegiado, segundo a qual o julgamento não unânime da apelação terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, convocados em número suficiente para possibilitar a inversão do resultado inicial obtido.
III - A técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem por finalidade aprofundar as discussões relativas à controvérsia recursal, seja ela fática ou jurídica, sobre a qual houve dissidência. Cuida-se de técnica de julgamento, e não de modalidade de recursal, conforme depreende-se do rol de recursos enumerados no art. 994 do CPC/2015, razão pela qual a sua aplicação é automática, obrigatória e independente da provocação das partes. Precedentes: REsp n. 1.846.670/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; e REsp n. 1.762.236/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 15/3/2019.
IV - O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ao entrar em vigor, revogou o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), nos termos do art. 1.046, caput, do CPC/2015. Todavia, as disposições especiais dos procedimentos regulados por leis específicas permaneceram em vigor, mesmo após o advento do novel diploma legal, consoante o previsto no art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, de maneira que as disposições especiais pertinentes ao mandado de segurança seguem reguladas pela Lei n. 12.016/2009. Contudo, ao contrário do que ficou assentado no acórdão recorrido, a Lei n. 12.016/2009, responsável por disciplinar o mandado de segurança, não contém nenhuma disposição especial acerca da técnica de julgamento a ser adotada nos casos em que o resultado da apelação for não unânime. Enquanto o art. 14 da Lei n. 12.016/2009 se limita a preconizar que contra a sentença proferida em mandado de segurança cabe apelação, o art. 25 da Lei n. 12.016/2009 veda a interposição de embargos infringentes contra decisão proferida em mandado de segurança.
V - Embora a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, e os embargos infringentes, revogados junto com Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), possuam objetivos semelhantes, os referidos institutos não se confundem, sobretudo porque o primeiro compreende técnica de julgamento, já o segundo consistia em modalidade de recurso. Ademais: "(...) diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença" (REsp n. 179.8705/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019).
VI - Conclui-se, portanto, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação que resultou não unânime interposta contra sentença proferida em mandado de segurança. Precedente: REsp n. 1.817.633/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/9/2019, DJe 11/10/2019.
VII - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para anular o acórdão recorrido, bem como para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que seja convocada nova sessão destinada ao prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do disposto no art. 942 do CPC/2015.
(REsp 1868072/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021)
Como se vê da respectiva fundamentação, o acórdão em questão raciocina essencialmente a partir do texto do próprio CPC/2015 (arts. 942, 994 e 1.046, § 2º), da Lei do Mandado de Segurança (arts. 14 e 15) e de decisões da Corte (REsp n. 1.846.670/PR, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; REsp n. 1.762.236/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator p/Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/2/2019, DJe 15/03/2018; REsp n. 1.817.633/RS, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 11/10/2019). Nessa linha, trata-se de técnica de julgamento concernente ao procedimento do recurso de apelação. Em que pese a Lei do Mandado de Segurança tenha previsto o cabimento do apelo contra a sentença proferida em primeira instância, nada dispôs a respeito do respectivo procedimento, atraindo, com isso, a disciplina geral prevista no CPC/2015, inclusive da técnica prevista em seu art. 942.
Análise crítica: das razões para o cabimento da técnica do art. 942 do CPC/2015 apenas ao julgamento do recurso de apelação em mandado de segurança
Parece que, de fato considerando o direito vigente, isto é, o direito posto (positivo), a conclusão a que chegou o STJ é a mais acertada.
Em verdade, a Lei do Mandado de Segurança prevê o cabimento da apelação contra a sentença (arts. 10, § 1º e 14, caput), mas não disciplina seu procedimento, que será regido pelas normas do CPC/2015 com a complementação de eventuais disposições previstas nos regimentos internos dos tribunais, consoante já sustentava, desde o regime anterior, Nelson Nery Junior[12].
Com efeito, o art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, manteve em vigor as regras aplicáveis aos procedimentos especiais previstos em leis extravagantes, a exemplo do procedimento especial do mandado de segurança, regulado pela Lei nº 12.016/2009. Conforme o art. 14, caput, dessa lei, “Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação”. Nesse caso, o CPC/2015 se aplica supletivamente, para disciplinar o procedimento do recurso em questão. Por isso, não há razão da para excluir a aplicação do art. 942, que não institui nenhum recurso, mas uma simples técnica aplicável ao julgamento colegiado nos tribunais, não havendo norma alguma que a afaste por ocasião do julgamento não unânime do recurso de apelação em mandado de segurança.[13] Nesse caso, como observa José Henrique Mouta, “o tratamento do mandado de segurança deve ser igualado às demais situações previstas no art. 942 do CPC/15”[14].
O mesmo raciocínio mostra-se aplicável ao procedimento especial do habeas data (L. 8.038/1990, art. 24, parágrafo único[15], c/c L. 9.507/1997, art. 15[16]) e, em tese, ao procedimento especial do mandado de injunção (L. 8.038/1990, art. 24, parágrafo único, c/c L. 13.300, art. 14[17]) quando o processamento e julgamento desse writ seja de competência originária do juiz de primeiro grau.[18]
Na verdade, o art. 942 regula o funcionamento de uma etapa do procedimento aplicável aos recursos de apelação (caput) e de agravo de instrumento (§ 3º, II), bem como à ação rescisória (§ 3º, I), quando o julgamento colegiado proferido pelo tribunal de segundo grau não for unânime. Trata-se, portanto, de mecanismo (incidente)[19] aplicável apenas nos casos arrolado nesse artigo, notadamente no julgamento dos recursos de apelação e de agravo de instrumento mediante “procedimento completo”[20].
Ainda, vale observar que aplicação do art. 942 do CPC/2015 ao procedimento especial do mandado de segurança não fere o princípio da isonomia, pois se impõe tanto a favor da pessoa jurídica de direito público quanto do impetrante.
Além disso, as tortuosas questões envolvendo a admissibilidade dos recursos especial e extraordinário em caso de julgamento não unânime no tribunal local foram enormemente simplificadas no CPC/2015, como observa Araken de Assis. No regime anterior, era obrigatória a interposição dos embargos infringentes quando configuradas as hipóteses do art. 530 do CPC/2015, pena de não conhecimento do recurso excepcional (nos termos da Súmula nº 281 do STF), salvo no caso do mandado de segurança, por força da Súmula nº 597 do STF, já referida. Já na vigência do novo CPC, o julgamento não unânime do recurso de apelação haverá de suscitar obrigatoriamente o emprego da técnica da ampliação do colegiado, mesmo em mandado de segurança (restando inaplicável o disposto na Súmula nº 597 do STF), pois, sem isso, o julgamento não se completará.[21]
Por outro lado, descabe o emprego da técnica em questão em agravo de instrumento interposto contra a decisão que aprecia o pedido de liminar em mandado de segurança. Com efeito, o art. 7º, § 1º da Lei nº 12.016/2009 prevê que “Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil”. Ocorre que, tendo presente o disposto no art. 1.046, § 4º do CPC/2015[22], o art. 942, § 3º, II somente prevê a aplicação da técnica da ampliação do colegiado quando ao agravo de instrumento “quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito”, o que, de fato, exclui as decisões colegiadas que, em agravo de instrumento, versem sobre medidas liminares.[23]
Ademais, por disposição expressa do art. 942, § 4º, do CPC/2015, a técnica da ampliação do colegiado não se aplica aos acórdãos não unânimes proferidos pelo Plenário ou pela Corte ou Órgão Especial[24], tampouco aos julgamentos proferidos em remessa necessária (L. 12.016/2009, art. 14, § 1º)[25] e nos incidentes de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas eventualmente verificados durante o processamento do mandado de segurança na instância recursal.
Também não se há de cogitar da aplicação da técnica do art. 942 do CPC/2015 quando a competência originária para processar e julgar o mandado de segurança for de tribunal, pois, nesse caso, contra o julgamento final, obviamente, o recurso cabível não será o de apelação. Consoante o art. 18 da Lei 12.016/2009, “Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada.”[26] Veja-se, particularmente, que o art. 942 do CPC/2015 não previu o cabimento da técnica por ele disciplinada no recurso ordinário.[27]
Vale notar que o art. 25 da Lei nº 12.016/2009, no que concerne ao recurso de embargos infringentes, perdeu suas condições de aplicabilidade[28], tendo em vista a revogação do art. 530 do CPC/1973, ressalvado, por evidente, eventual apelo ainda pendente de julgamento quando da entrada em vigor do CPC/2015.
Considerações finais
Parece não haver dúvida de que o recurso de embargos infringentes do CPC/1973 e a técnica de ampliação do colegiado do CPC/2015 compartilham objetivo semelhante, que é o aprofundamento da discussão em razão de divergência ocorrida durante a sessão (presencial, telepresencial ou virtual) de julgamento do recurso de apelação (também de agravo de instrumento) nos tribunais de segundo grau (TJs e TRFs, “cortes de justiça”, no dizer de Daniel Mitidiero[29]). E isso porque é a última oportunidade de que os litigantes dispõem para obterem ampla revisão de fatos e de provas, o que sabidamente não é possível nos tribunais superiores (“cortes supremas” – tribunais encarregados de conferir unidade ao direito por meio da formulação de precedentes constitucionais e federais[30]), segundo as conhecidas Súmulas nº 279 e 454 do STF e nº 5 e 7 do STJ.
No entanto, a forma como os dois Códigos mais recentes se propõem a atingir tal objetivo é completamente diferente. No caso do CPC/1973, por meio de um recurso – remédio dependente da vontade da parte (princípio da voluntariedade/princípio dispositivo), exigindo fundamentação adequada à impugnação da decisão recorrida (princípio da dialeticidade) – e apenas em caso de reforma da sentença pelo acórdão majoritário (com progressivo estreitamento de suas hipóteses de admissibilidade, como visto); no caso do CPC/2015, por meio de um técnica de julgamento de aplicação automática e obrigatória (oficiosa), bastando a mera falta de unanimidade no julgamento colegiado, independentemente de haver ou não a reforma da sentença apelada.[31]
Por causa dessa diferença, e levando em conta que a Lei do Mandado de segurança se limita a regular o cabimento do recurso de apelação contra a sentença proferida pelo juiz de primeiro grau sem, contudo, estabelecer nenhuma regra específica sobre o procedimento desse recurso, conclui-se que a técnica do art. 942 do CPC/2015 é aplicável ao procedimento especial do mandado de segurança.
Claramente, o legislador, em que pese tenha abolido essa espécie recursal, ao fim e ao cabo, entendeu necessário prestigiar a segurança em detrimento da celeridade, permitindo um mais amplo debate judicial no órgão colegiado, sobretudo em relação à interpretação de fatos e provas, notoriamente insuscetível de revisão nas Cortes Supremas, com o fito de obter-se a melhor decisão possível.[32] Todavia, a excessiva amplitude da aplicação dessa técnica, em relação ao recurso de apelação, quando comparada à (cada vez mais restrita) hipótese de cabimento dos embargos infringentes[33], revela um claro passo atrás e, perante o provável incremento do retrabalho nos tribunais, prenuncia possíveis restrições no futuro.
(22/02/2022)
[1] JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro : Forense, vol. V, 12. ed., 2005, n. 282, 518; JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, “Nova interpretação do STJ sobre o julgamento estendido da apelação”, Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2020, disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-27/paradoxo-corte-interpretacao-stj-julgamento-estendido-apelacao, acesso em 22/02/2022; ROGÉRIO LAURIA MARÇAL TUCCI, “Perfil histórico dos embargos infringentes (das Ordenações Afonsinas ao Código de Processo Civil de 2015)”, Revista de Processo, vol. 249(nov./2015):275-293.
[2] JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro : Forense, vol. V, 12. ed., 2005, n. 283, p. 521.
[3] JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro : Forense, vol. V, 12. ed., 2005, n. 283, p. 521; ROGÉRIO LAURIA MARÇAL TUCCI, “Perfil histórico dos embargos infringentes (das Ordenações Afonsinas ao Código de Processo Civil de 2015)”, Revista de Processo, vol. 249(nov./2015):275-293.
[4] JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro : Forense, vol. V, 12. ed., 2005, n. 284, p. 525.
[5] JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro : Forense, vol. V, 12. ed., 2005, n. 284, p. 526; CÂNDIDO DINAMARCO, A reforma da reforma, São Paulo : Malheiros, 4. ed., 2002, pp. 201 e ss.; REsp nº 832.370, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2007, DJU 13/08/2007; REsp nº 503.073, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, QUARTA TURMA, julgado em 26/06/2003, DJU 06/10/2003; AgRG no REsp nº 767.323, Rel. Min. GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/04/2007, DJU 07/05/2007; AgRg no REsp nº 890.246, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJU 11/09/2008.
[6] REsp nº 890.191, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2008, DJU 10/03/2008; REsp nº 885.687, Rel. Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJU 13/11/2008.
[7] Com base nessa Súmula e no parágrafo único do art. 228 do seu Regimento Interno ("Das decisões proferidas em apelação e remessa ex officio em mandado de segurança, em habeas data e em mandado de injunção não cabem embargos infringentes"), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região não admitiu o recurso de embargos infringentes em sede de recurso de apelação em mandado de segurança (TRF4, AMS 2004.70.00.013242-8, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 05/02/2007).
[8] Há acórdão do STJ sugerido o descabimento do recurso de embargos infringentes em habeas data (AgInt no REsp 1936003/RJ, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2021, DJe 25/11/2021).
[9] Para um breve histórico da questão durante o processo legislativo do novo CPC, veja-se NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Código de Processo Civil Comentado, São Paulo : RT, 6. ed. em e-book baseada na 20. ed. impressa, 2022, p. RL-1.183, disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/113133203/v20/page/RL-1.183, acesso em 22/02/2022.
[10] Na jurisprudência do STJ, confira-se o julgamento proferido no REsp n. 1.846.670/PR, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019.
[11] No mesmo sentido, veja-se o Enunciado nº 24 do Fórum Nacional do Poder Público (FNPP): “Aplica-se ao mandado de segurança a técnica de julgamentos não unânimes dos recursos previstos no art. 942 do CPC”.
[12] NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, São Paulo : RT, 1. ed. em e-book baseada na 13. ed. impressa, 2013, nota nº 5 ao art. 530 do CPC, disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/86330886/v13/document/86431864_C.IV_TIT.X_L.I/anchor/a-A.530, acesso em 22/02/2022.
[13] Esse, fundamentalmente o raciocínio de FREDIE DIDIER JR.; LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, Curso de Direito Processual Civil, Salvador : JusPODIVM, vol. 3, 18. ed., 2021, p. 111 e dos vários estudos sobre a visão do STJ acerca da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC, encontrados em coletânea relativa à jurisprudência dessa Corte nos 5 anos de vigência do novo CPC (TERESA ARRUDA ALVIM; SÉRGIO KUKINA; PEDRO MIRANDA DE OLIVEIRA; ALEXANDRE FREIRE (coord.), O CPC de 2015 visto pelo STJ, São Paulo : RT, 1. ed. em e-book baseada na 1. ed. impressa, 2021, disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/260700084/v1, acesso em 22/02/2022).
[14] JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO, Mandado de segurança, Salvador : JusPODIVM, 8. ed., 2021, p. 443.
[15] “No mandado de injunção e no habeas data, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica”.
[16] Segundo o qual “Da sentença que conceder ou negar o habeas data cabe apelação”, sem o estabelecimento de qualquer disposição especial quanto ao procedimento desse recurso.
[17] “Aplicam-se subsidiariamente ao mandado de injunção as normas do mandado de segurança, disciplinado pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, e do Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, observado o disposto em seus arts. 1.045 e 1.046.”
[18] A Constituição Federal regula a competência originária do STF (art. 102, I, “q”) e do STJ (art. 105, I, “h”) para processar e julgar o mandado de injunção, basicamente quando a omissão for de órgãos, entidades ou autoridades da União. A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul confere ao Tribunal de Justiça a competência originária para processar e julgar o mandado de injunção quando se omitirem órgãos, entidades ou autoridades estaduais e municipais (art. 93, inciso V, “c”; art, 95, inciso XII, “b” e “e”).
[19] ARAKEN DE ASSIS, Manual dos recursos, São Paulo : RT, 4. ed. em e-book baseada na 10. ed. impressa, 2021, p. RB-6.84, disponível em:
https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/101561318/v10/page/RB-6.84, acesso em 22/02/2022.
[20] ARAKEN DE ASSIS, Manual dos recursos, São Paulo : RT, 4. ed. em e-book baseada na 10. ed. impressa, 2021, p. RB-6.21, disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/101561318/v10/page/RB-6.21, acesso em 22/02/2022.
[21] ARAKEN DE ASSIS, Manual dos recursos, São Paulo : RT, 4. ed. em e-book baseada na 10. ed. impressa, 2021, p. RB-12.5, disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/101561318/v10/page/RB-12.5, acesso em 22/02/2022.
[22] “As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código.”
[23] FREDIE DIDIER JR.; LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, Curso de Direito Processual Civil, Salvador : JusPODIVM, vol. 3, 18. ed., 2021, p. 113.
[24] NELSON NERY JUNIOR; ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Código de Processo Civil Comentado, São Paulo : RT, 6. ed. em e-book baseada na 20. ed. impressa, 2022, p. RL-1.183, disponível em:
https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/113133203/v20/page/RL-1.183, acesso em 22/02/2022.
[25] Nesse sentido, JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO, Mandado de segurança, Salvador : JusPODIVM, 8. ed., 2021, p. 443.
[26] O art. 18 da L. 12.016/2009 supõe que o julgamento final será feito de forma colegiada; no entanto, é cada vez mais comum – em especial no STF (veja-se o art. 328, parágrafo único, do RISTF) – o julgamento do mérito do mandamus por decisão monocrática do relator, o que desafia, de imediato, a interposição do recurso de agravo interno (CPC/2015, art. 1.021, caput).
[27] ARAKEN DE ASSIS, Manual dos recursos, São Paulo : RT, 4. ed. em e-book baseada na 10. ed. impressa, 2021, p. RB-11.3, disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/101561318/v10/page/RB-11.3, acesso em 22/02/2022. FREDIE DIDIER JR.; LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, Curso de Direito Processual Civil, Salvador : JusPODIVM, vol. 3, 18. ed., 2021, p. 112.
[28] Como sinalizam Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha, trata-se da perda do suporte normativo, o que impede a aplicação atual da regra jurídica (FREDIE DIDIER JR.; LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, Curso de Direito Processual Civil, Salvador : JusPODIVM, vol. 3, 18. ed., 2021, p. 111; em termos).
[29] DANIEL MITIDIERO, Cortes Superiores e Cortes Supremas, São Paulo : RT, 2. ed. em e-book baseada na 3. ed. impressa, 2017, https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/101686396/v3/document/119516190/anchor/a-119516190, acesso em 22/02/2022.
[30] DANIEL MITIDIERO, Cortes Superiores e Cortes Supremas, São Paulo : RT, 2. ed. em e-book baseada na 3. ed. impressa, 2017, https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/101686396/v3/document/119516149/anchor/a-119516149, acesso em 22/02/2022.
[31] Diferentemente do que ocorre com o recurso de apelação, o § 3º do art. 942 do CPC/2015 restringe o cabimento da técnica de ampliação do colegiado na ação rescisória (somente quando o resultado do acórdão majoritário for “a rescisão da sentença”, inciso I) e no agravo de instrumento (apenas “quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito”, inciso II).
[32] FREDIE DIDIER JR.; LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, Curso de Direito Processual Civil, Salvador : JusPODIVM, vol. 3, 18. ed., 2021, p. 98.
[33] Pois, conforme a letra do art. 942, caput, do CPC/2015, basta a mera ausência de unanimidade no resultado do julgamento do recurso de apelação, independentemente do destino da sentença (FREDIE DIDIER JR.; LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, Curso de Direito Processual Civil, Salvador : JusPODIVM, vol. 3, 18. ed., 2021, pp. 12-103).
Klaus Cohen Koplin
Doutor em Direito pela UFRGS. Professor Associado no Departamento de Direito Privado e Processo Civil da Faculdade de Direito da UFRGS. Professor Doutor na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Comissão Especial de Arbitragem da OAB/RS. Advogado Sócio do Escritório Freitas Macedo Advogados. E-mail: klaus.koplin@freitasmacedo.com.
KOPLIN, Klaus Cohen Koplin. APLICABILIDADE DA TÉCNICA PREVISTA NO ART. 942 DO CPC/2015 AO MANDADO DE SEGURANÇA. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 22, nº 1575, 02 de Março de 2022. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/aplicabilidade-da-tecnica-prevista-no-art-942-do-cpc-2015-ao-mandado-de-seguranca.html