DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATIVISMO JUDICIAL: O GUARDADOR DE PROMESSAS DE ANTOINE GARAPON

No livro O guardador de promessas: justiça e democracia, Antoine Garapon (1996) confere à figura do juiz a função de um árbitro dos bons costumes e até mesmo da moralidade política. A justiça torna-se um espaço de exigibilidade da democracia. Oferece potencialmente a todos os cidadãos a capacidade de interpelar os seus governantes, de chamá-los à atenção e de obriga-los a respeitar as promessas contidas na lei. Enquanto, outrora, o juiz se limitava a sancionar os desvios, eis que agora se lhe solicita que exerça um verdadeiro magistério sobre as pessoas mais frágeis. No desenho institucional concebido pelo autor, enquanto, antigamente, o conflito constituía uma ameaça de dissolução da relação social, hoje, transforma-se numa possibilidade de socialização. O direito deixou de ser o instrumento da manutenção social e passou a ser o da sua contestação: surge como a fonte de uma sociedade que se constitui na procura de si mesma (GARAPON, 1996, p. 47-48).

Observa-se que o Estado moderno passa por profundas transformações nas esferas política e social, culminando num processo de descrença das instituições políticas. O cidadão assiste ao desmoronamento dos referenciais políticoinstitucionais que haviam balizado o Estado moderno. Acrescente-se a este descrédito, a ausência de princípios éticos basilares do agir político. A consequência é a despolitização do sujeito e sua fragilidade perante a complexidade da vida moderna. Ocorre a transferência das expectativas frustradas para o Judiciário, instância possibilitadora de resgate dos ideais de justiça. É necessário, portanto, atender às razões de deslegitimação do Estado para explicar aquilo que se produz, antes de mais, como uma inflação judicial. O debate entre justiça e política dá origem a uma inquietante relação triangular: despolitização, judicialização e fragilidade.

Para Garapon (1996, p. 20-21), procura-se no juiz não só o jurista ou a figura do árbitro, mas também do conciliador, o apaziguador das relações sociais e até mesmo o animador de uma política pública como em matéria de prevenção, delinquência e garantidor dos direitos fundamentais. A justiça não pode apenas limitar-se a dizer o justo, ela deve simultaneamente instruir e decidir, aproximar-se e manter as suas distâncias, conciliar e optar, julgar e comunicar. A justiça é responsável por realizar materialmente - e já não apenas formalmente - a igualdade dos direitos e de disfarçar o desequilíbrio entre as partes.

O direito analisa-se, em última leitura, como uma promessa feita à comunidade nacional ou internacional, às gerações vindouras. Por isso há uma regra de ouro, que é a própria condição do edifício jurídico: as promessas devem ser mantidas, pacta sunt servanda (GARAPON, 1996, p. 177).

REFERÊNCIA

GARAPON, Antoine. O guardador de promessas: justiça e democracia. Tradução de Francisco Aragão. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.

Deilton Ribeiro Brasil-  Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina, Itália. Doutor em Direito pela UGF-RJ. Professor da Graduação e do PPGD - Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br


BRASIL, Deilton Ribeiro Brasil. DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATIVISMO JUDICIAL: O GUARDADOR DE PROMESSAS DE ANTOINE GARAPON. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 22, nº 1575, 02 de Março de 2022. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/direitos-fundamentais-e-ativismo-judicial-o-guardador-de-promessas-de-antoine-garapon.html?Itemid=330
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DIREITOS FUNDAMENTAIS E ATIVISMO JUDICIAL: O GUARDADOR DE PROMESSAS DE ANTOINE GARAPON - O Site Páginas de Direito foi criado pelo Professor Livre Docente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e ex Professor Titular do Mestrado e Doutorado da PUCRS

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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