Mandado de Segurança para controle de correta aplicação de precedente judicial?

O STJ apresentou mais um julgamento controverso no Agravo Interno no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 53.790 - RJ (2017/0077579-0), de relatoria do Ministro Gurgel de Faria (Sessão Virtual de 11/05/2021 a 17/05/2021), ao determinar o retorno dos autos para o Tribunal a quo para processar e julgar o mandado de segurança lá impetrado, no sentido de apontar o remédio constitucional como via adequada para controle e correção de aplicação equivocada de precedente judicial qualificado em Recurso Especial repetitivo.

O próprio tribunal superior reconheceu que 'o mandado de segurança contra ato judicial é medida excepcional, cabível somente em situações nas quais se pode verificar, de plano, ato judicial eivado de ilegalidade, teratologia ou abuso de poder, que importem ao paciente irreparável lesão ao seu direito líquido e certo' (AgInt no MS 24.788/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/06/2019, DJe 12/06/2019).

O julgado atacado no writ manifestou teratologia no emprego da tese repetitiva firmada no REsp 1.105.442/RJ: 'é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932).'

Do confronto entre o acórdão recorrido e o recurso especial obstado, o STJ constatou que a lide não discutia 'a extensão do prazo prescricional da pretensão executória da multa administrativa, mas qual seria o seu termo inicial, se a data do ajuizamento da ação anulatória, caso em que a opção pela via judicial antes do exaurimento da esfera administrativa denotaria que o contribuinte abdicou da via administrativa, possível interpretação do parágrafo único do art. 38 da Lei n. 6.830/1980, ou o efetivo término do processo administrativo, uma vez que nele foi interposto recurso pela Petrobras', como bem consignado pelo Ministério Público Federal no parecer lançado nos autos.

Mesmo assim, o STJ declarou a irrecorribilidade e a teratologia da decisão atacada, entendendo cabível o uso excepcional da via mandamental.

Na verdade, o meio processual adequado para o controle do precedente judicial qualificado seria a ação de Reclamação, conforme disposição do art. 988, § 5º, II do CPC/15, após o exaurimento dos recursos cabíveis, porém, o tribunal superior tem refreado o cabimento de reclamação nessa hipótese, desde o julgado da Corte Especial da Rcl 36.476/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 05/02/2020, DJe 06/03/2020.[2]

Além do entendimento de que o cabimento de mandado de segurança contra ato judicial deve ser excepcional, a eventual impetração contra decisão do Tribunal de origem após o Agravo Interno ainda pode gerar questionamentos decorrentes da própria utilização atípica do MS contra ato judicial, como, por exemplo, a definição de quem é a autoridade coatora: a necessidade ou não de intervenção da pessoa jurídica de Direito Público: qual o órgão jurisdicional competente para apreciação e julgamento: a necessária intervenção do adversário do impetrante e beneficiado pela decisão impugnada, sob pena de extinção do processo (Enunciado 631, da Súmula da Jurisprudência Dominante do STF) e a (i)legitimidade e eventual falta de interesse do ente público para interpor recurso, especialmente quando não estiver envolvido na causa originária.[3]

Destarte, por todos os motivos já apresentados, o mandado de segurança como instrumento de controle de precedente qualificado não se apresenta cabível, mesmo após o julgamento do Agravo Interno. O caminho mais adequado, e com fundamento na própria legislação processual, seria o manejo de reclamação perante o STJ ou STF, porém o próprio tribunal da cidadania blindou essa possibilidade com mais uma prática de jurisprudência defensiva.

[1] Gisele Mazzoni Welsch - Pós-doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e pela PUC-RS. Doutora e Mestre em Teoria da Jurisdição e Processo pela PUC-RS. Professora de cursos de pós-graduação 'lato sensu' em Processo Civil. Autora de diversas publicações, dentre elas, os livros 'Precedentes Judiciais e Unidade do Direito – Análise comparada Brasil-Alemanha' pela editora Thoth, 'Legitimação Democrática do Poder Judiciário no Novo CPC' pela editora Revista dos Tribunais e 'O Reexame Necessário e a Efetividade da Tutela Jurisdicional' pela editora Livraria do Advogado, bem como capítulos de livros e artigos jurídicos em periódicos de circulação nacional. Advogada. E-mail: gisele@welschmedeiros.com.br.

[2] Referem-se os tópicos 6 e 7 da ementa do referido julgado: '6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a Lei 13.256/2016 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas cortes de superposição.

7. Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios.'

[3] MOUTA ARAÚJO, José Henrique. Se reclamação não é admitida, como recorrer de decisão sobre precedente qualificado? In: https://www.conjur.com.br/2021-jun-11/artx-jose-mouta-mandado-seguranca-reclamacao-instrumentos-visando-aplicacao-precedentesqualificados? Acesso em 11.Junho.2021.


WELSCH, Gisele Mazzoni Welsch. Mandado de Segurança para controle de correta aplicação de precedente judicial?. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1523, 17 de Junho de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/mandado-de-seguranca-para-controle-de-correta-aplicacao-de-precedente-judicial.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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