O controle de convencionalidade dos tratados de Direitos Humanos

Com a emenda constitucional número 45, de 2004, foi inserido um novo parágrafo no artigo 5 º da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação: '§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.' Trata-se de inovação que permitiu o controle de convencionalidade, no modelo concentrado, das leis e dos atos normativos internos, uma vez que os tratados internacionais de direitos humanos internalizados conforme o rito estabelecido no § 3º passaram a ser, além de materialmente, também formalmente constitucionais.

As leis e o atos normativos produzidos no país, para serem válidos, precisam estar em conformidade não somente com a Constituição Federal, mas também com os tratados de direitos humanos que possuem equivalência de emenda constitucional, o que se denomina de dupla constitucionalidade vertical material. Dois tratados já foram aprovados com a observância do quórum de 3/5 dos votos dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado federal: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, pelo decreto legislativo número 186, de 2008: e o Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para Ter Acesso ao Texto Impresso, pelo decreto legislativo número 261, de 2015. Ambos também foram promulgados pelo executivo pelos decretos 6949, de 2009, e 9522, de 2018, respectivamente. Portanto, vigoram no Brasil com posição hierárquica privilegiada, com o mesmo status das emendas constitucionais.

Para aferir a compatibilidade das leis e atos normativos nacionais com os tratados de direitos humanos incorporados ao sistema jurídico interno conforme o § 3º do artigo 5 º, podem ser utilizadas as ações do controle concentrado de constitucionalidade, tais como a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Arguição de Descumprimento de Preceito fundamental[2], embora não haja regulamentação específica. Já os tratados de direitos humanos internalizados antes de 2004, sem o quórum de maioria qualificada, a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica, servem de paradigma apenas para o controle difuso de convencionalidade. No Recurso Extraordinário 466.343, julgado 2008, em que se discutia a possibilidade da prisão civil do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese, por maioria, do status de supralegalidade dos tratados de direitos humanos não incorporados pelo procedimento previsto no § 3º do artigo 5º. Isto é, estão acima da legislação ordinária, mas abaixo da Constituição.

Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha se mostrado resistente em reconhecer o nível constitucional do Pacto de São José da Costa Rica, o efeito prático da decisão acabou por concretizar o que diz no artigo 7º.7 do documento, o qual permite uma única modalidade de prisão civil por dívida: por inadimplemento de obrigação alimentar. Conforme o Supremo Tribunal Federal, apesar de não ter revogado o inciso LXVII, do artigo 5º, da Constituição Federal, que prevê a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, o Pacto de São José retirou a base legal para a sua aplicação.[3]

Espera-se, diante disso, um necessário avanço no âmbito do Poder Judiciário acerca da posição hierárquica concedida aos tratados internacionais de direitos humanos, no sentido de que todos, independentemente do seu modo de incorporação – se de acordo com o § 3º do artigo 5º ou não – tenham o mesmo regime jurídico. E que esse regime seja o da hierarquia constitucional, como preconiza o § 2º do artigo 5º do texto constitucional: 'Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.'

[1] Caroline Dimuro Bender D'Avila - Mestre em Direito pela PUCRS. Professora da IMED-POA.

[2] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Podem os Tratados de Direitos Humanos Não 'Equivalentes' às Emendas Constitucionais Servir de Paradigma ao Controle Concentrado de Convencionalidade? RDU, Porto Alegre, volume 12, n. 64, 2015, 222-229, jul-ago 2015. p. 224.

[3] Conforme RE 466.343, Voto do Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2008, DJe de 5.6.2009.


D'AVILA, Caroline Dimuro Bender D'Avila. O controle de convencionalidade dos tratados de Direitos Humanos. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1495, 10 de Abril de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/o-controle-de-convencionalidade-dos-tratados-de-direitos-humanos.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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