O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO NO CONTEXTO DAS CONSTITUIÇÕES DO EQUADOR E BOLÍVIA

O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO NO CONTEXTO DAS CONSTITUIÇÕES DO EQUADOR E BOLÍVIA

A Constituição do Equador foi aprovada mediante referendo popular e entrou em vigor no dia 20 de outubro de 2008. Em seu preâmbulo, celebra a natureza ou Pacha Mama, vital para a existência humana, e invoca a sabedoria de todas as culturas que enriquecem a sociedade como tal.

No capítulo sétimo consagra os direitos da Pacha Mama, dentre os quais se insere o direito de restauração, o respeito integral à sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos, podendo toda e qualquer pessoa, independentemente de sua nacionalidade, exigir da autoridade pública seu cumprimento. Prevê, ainda, o dever do Estado de incentivar a proteção da natureza e a promoção do respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.

A Constituição do Equador promove a natureza a sujeito de direitos e prevê deveres expressos de precaução, quanto à adoção de medidas pelo Estado para evitar impactos negativos. Outro aspecto da Constituição equatoriana é a inclusão do bem viver ou sumak kawsay, do quéchua, como uma aspiração de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, conforme seu preâmbulo, reconhecendo, no artigo 14, o direito de todos a viver em um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, garantindo a sustentabilidade e o próprio sumak kawsay que é a expressão de uma forma ancestral de ser e de estar no mundo. Expressa, de certa maneira, as proposições teóricas de décroissance de Latouche (2004, p. 109), de convívio de Ivan Illich (1974, p. 22) e de ecologia profunda de Arnold Naess (1994) que possui, dentre seus pressupostos, a representação da natureza como um sujeito de direitos, não mero objeto, reconhecendo àquela dignidade e direitos fundamentais (STEIGLEDER, 2011 p. 72). O buen vivir relaciona-se às propostas de descolonização desenvolvidas por Quijano (1992), Santos (2004) e Lander (2005).

Sumak significa a plenitude, o sublime, excelente, magnífico. Kawsay refere-se à vida, em uma concepção dinâmica. Portanto sumak kawsay pode ser compreendido como a vida em plenitude. É a vida em excelência material e espiritual. O sublime expressa a harmonia, o equilíbrio interno e externo de uma comunidade (ACOSTA, 2008).

Dessa forma, o conceito do sumak kawsay propõe uma oposição à lógica do capitalismo neoliberal que imprime uma concepção de vida boa atrelada à necessidade de consumir sempre mais e mais bens. Exaltar a convivência harmônica do homem e da natureza é um dos eixos centrais dessa proposta (POLI, 2015, p. 25).

Por sua vez, a Constituição da Bolívia, promulgada em 2009, traz no preâmbulo a predominância pela busca do bem viver, baseada no respeito por sua história de luta, pela sagrada Madre Tierra e pela diversidade de culturas, inspiração para a construção de um novo Estado, que é unitário social de direito plurinacional comunitário, pelo povo boliviano.

Entre os princípios ético-morais previstos na Constituição, o artigo 8, I, do capítulo segundo, do título I, dispõe que o Estado assume e promove a suma qamaña (bem viver), a ñandereko (vida harmoniosa), a teko kavi (vida boa), a ivi maraei (terra sem mal) e o qhapaj ñan (caminho ou vida nobre), que refletem a cultura indígena do bem viver e da integração com o ambiente.

Embora a Constituição da Bolívia não trate especificamente da natureza como sujeito de direitos, a natureza é abordada em textos infraconstitucionais por meio da Lei nº 71, de 2010 (Ley de derechos de la Madre Tierra), e da Lei nº 300, de 2012 (Ley marco de la Madre Tierra y desarollo integral para vivir bien). Em outras palavras, consiste em uma relação de equilíbrio com a natureza, que não exclui o ser humano dessa visão: trata-se de uma verdadeira complementaridade, por meio da qual se reconhece o direito de todos os seres vivos a uma existência digna e o papel de todos para a manutenção da vida no planeta.

Dessa forma, as Constituições do Equador e da Bolívia trazem inovações jurídicas necessárias para enfrentar os problemas da era do antropoceno, ao incorporarem a nova ética proposta pelo Estado de Direito Ambiental, em uma ruptura biocêntrica constitucionalista, ao elevar a sujeito de direitos todas as formas de vida e a natureza como um todo a ser respeitado, reforçando a responsabilidade do homem por todas as formas vida e a inclusão da pluralidade social e cultural dos saberes milenares e sustentáveis indígenas.

Daí a importância do caráter multidimensional do direito ambiental, na medida em que o direito ao meio ambiente é um direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais (ANTUNES, 2013, p. 11-12).

REFERÊNCIAS

ACOSTA, Alberto. Bitácora constituyente: ¡todo para la Patria, nada para nosotros! Quito: Ediciones Abya-Yala, 2008.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

BOLIVIA. Constitución Política del Estado Plurinacional de Bolivia. Disponível em: https://www.oas.org/dil/esp/Constitucion_Bolivia.pdf. Acesso em 14 maio 2021.

ECUADOR. Constitución del Ecuador. Asamblea Constituyente. Disponível em: http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf. Acesso em 14 maio 2021.

ILLICH, Ivan. La convivencialidad. Tradução de Matea P. De Gossmann. Barcelona: Barral Editores, 1974.

LATOUCHE, Serge. Survivre au développement: de la décolonisation de l'imaginaire économique à la construction d'une société alternative. Paris: Mille et Une Nuits, 2004.

LANDER, Edgardo. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: LANDER, Edgardo [Org.]. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 8-23.

NAESS, Arne. Deep Ecology. In: MERCHANT, Carolyn. Key concepts in critical theory: ecology. Atlantic Highlands: Humanities Press, 1994, p. 120-124.

POLI, Luciana Costa. Buen vivir: uma alternativa para o desenvolvimento sustentável. In: MIRANDA, Jorge: GOMES, Carla Amado [coord.], CAÚLA, Bleine Queiroz: CARMO, Valter Moura do [Orgs.]. Diálogo ambiental, Constitucional e Internacional. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídicos-Políticas, v. 3, t. II, out.- 2015, p. 19-39.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y Modernidad-racionalidad. In: BONILLO, Heraclio [comp.]. Los conquistados. Bogotá: Tercer Mundo Ediciones, FLACSO, 1992, p. 437-449.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo cultural. Porto: Afrontamento, 2004.

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

1 Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina, Itália. Doutor em Direito pela UGF-RJ. Professor da Graduação e do PPGD - Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT), Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA), Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL). Professor visitante da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7268-8009. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1342540205762285. E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br


BRASIL, Deilton Ribeiro Brasil. O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO NO CONTEXTO DAS CONSTITUIÇÕES DO EQUADOR E BOLÍVIA. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1516, 18 de Mai de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/o-meio-ambiente-ecologicamente-equilibrado-no-contexto-das-constituicoes-do-equador-e-bolivia.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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