UM POUCO MAIS SOBRE A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

Rolf Serick dedica-se a alguns problemas relativos à relação entre norma e pessoa jurídica e se divide em duas partes, dedicada a primeira a problemas de aplicação das normas e a segunda a problemas de interpretação. A primeira parte desse livro segundo vai tratar da aplicabilidade, às pessoas jurídicas, de normas que pressupõem conceitualmente a existência de pessoa física, e características próprias dos seres humanos. Quando, porém, o objetivo visado pela norma não exige sua não aplicação às pessoas jurídicas, a aplicação a estas últimas coloca problemas quanto à determinação dos pressupostos normativos quando o legislador só os tenha elaborado levando em conta os seres humanos, mas não as pessoas jurídicas. Como fazer então? Uma das possibilidades consiste em ter como ponto de referência as pessoas naturais que agem através da pessoa jurídica, o que envolve uma nova forma de penetração em que, porém, não se colocam problemas relativos a abuso de forma da pessoa jurídica. [2]

A primeira parte do livro subdivide-se em cinco itens. Começa Rolf Serick por estudar o problema da nacionalidade (ou cidadania) das pessoas jurídicas, demonstrando inicialmente que não se conseguiu até hoje dispensar a noção de nacionalidade das pessoas jurídicas, para o fim de qualificá-las como nacionais ou estrangeiras, embora, obviamente, os pressupostos dessa qualificação devam ser distintos dos empregados no que toca às pessoas naturais. Determinar a nacionalidade de uma pessoa jurídica significa determinar, para os mais diversos fins, qual o Estado a cujos cidadãos deva a pessoa jurídica ser equiparada, controvérsia que, não se deve confundir com o da determinação do estatuto pessoal da pessoa jurídica, problema de particular importância em Direito Internacional Privado, e que objetiva determinar o ordenamento jurídico cujas normas devam regular os problemas jurídicos específicos. A determinação da nacionalidade da pessoa jurídica pode ser feita – e normalmente o é – através de critérios que não fazem referência direta às pessoas naturais. Assim, o Direito Anglo-americano aplica tradicionalmente o princípio do local da constituição, considerando a pessoa jurídica nacional do país em que foi constituída. Tal princípio, análogo ao do local do nascimento para as pessoas naturais, é particularmente adaptado a país em que o pensamento dominante continua a considerar as pessoas jurídicas como criação do Direito. Ao contrário, domina no Direito alemão, francês, suíço e italiano o princípio oposto segundo o qual a pessoa jurídica é nacional do país onde tenha sua sede, entendida como sede, segundo o pensamento dominante, o local da administração central e não o da efetivação da atividade econômica. Esses critérios gerais não são desmentidos pela existência de normas de luta de Direito dos Estrangeiros (entendido como Direito dos Estrangeiros aquele setor do Direito Material interno que fixa regras específicas para os estrangeiros e que, entre nós, nas Universidades e Faculdades, é ainda estudado no âmbito do Direito Internacional Privado, apesar das inequívocas características de Direito Material que o opõem às características de Direito Formal do Direito Internacional Privado) e que, com caráter claramente hostil aos estrangeiros, caracterizam por vezes como estrangeiras as pessoas jurídicas com base em critérios que levam em conta a nacionalidade dos sócios. Os critérios gerais de determinação da nacionalidade das pessoas jurídicas permanecem basicamente independentes da nacionalidade dos sócios, o que é particularmente importante no caso de sociedades empresárias anônimas cujo quadro social sofra constantes e grandes mudanças. [3]

O quarto item da primeira parte do livro é por Rolf Serick dedicado à problemática dos direitos autorais e da aplicabilidade das regras que os protegem às pessoas jurídicas: de modo especial, da possibilidade, em tese, de serem as pessoas jurídicas titulares de direitos autorais. Encarados os Direitos autorais de forma unitária, abrangente de todas as faculdades e aspectos que neles se compendiam, e em particular abrangentes tanto do aspecto moral – direito à paternidade intelectual da obra – quanto do aspecto econômico-patrimonial, ressalva Rolf Serick a posição dominante, decorrente de tal concepção, e segundo a qual só o ser humano pode ser titular de direitos autorais, uma vez que só o ser humano é capaz do ato criador na esfera intelectual e artística. Depois de estudo doutrinário e comparativo, externa sua posição no sentido de que, quanto a trabalhos em que o elemento criativo seja muito modesto, como no caso das compilações ou antologias, por exemplo, não vê maiores objeções quanto à atribuição originária do Direito moral de autor à pessoa jurídica sob cujas instruções tenha o trabalho sido feito, e que o tenha financiado. Dá o exemplo do reconhecimento judicial de direito moral de autor (julgamento do Reichsgericht, em 1924) à pessoa jurídica editora de carta topográfica. E discute a possibilidade de reconhecimento de Direito moral de autor às pessoas jurídicas produtoras de obras cinematográficas, dada a natureza de obra coletiva de que se revestiria o filme. [4]

No último item da primeira parte do livro, estuda Rolf Serick uma série de problemas ligados à aplicabilidade de normas jurídicas específicas às pessoas jurídicas. Trata-se, de modo especial, de verificar quais, dentre as normas que pressuponham características naturais das pessoas físicas, podem ser aplicadas às pessoas jurídicas, e de análogo problema quanto às normas que pressuponham características jurídicas que pareçam reclamar como titular uma pessoa natural. [5] Rolf Serick efetua longa análise das consequências jurisprudenciais no pós-guerra, principalmente em matéria de responsabilidade civil do Estado, das perseguições raciais ocorridas sob a ditadura nazista. [6]

REFERÊNCIA

SERICK, Rolf. Forma e realtà della persona giuridica. Milano: Giuffrè, 1966.

[1] Deilton Ribeiro Brasil - Pós-Doutor em Direito pela UNIME, Itália. Doutor em Direito pela UGF-RJ. Professor da Graduação e do PPGD - Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT), Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA), Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL). Professor visitante da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br

[2] SERICK, Rolf. Forma e realtà della persona giuridica. Milano: Giuffrè, 1966, p. 161-162.

[3] SERICK, Rolf. Forma e realtà della persona giuridica. Milano: Giuffrè, 1966, p. 163-168 e 171-176.

[4] SERICK, Rolf. Forma e realtà della persona giuridica. Milano: Giuffrè, 1966, p. 201-217.

[5] SERICK, Rolf. Forma e realtà della persona giuridica. Milano: Giuffrè, 1966, p. 218.

[6] SERICK, Rolf. Forma e realtà della persona giuridica. Milano: Giuffrè, 1966, p. 218-222, notas 166, 167, p. 223, nota 168, p. 224, nota 169, p. 225.


BRASIL, Deilton Ribeiro Brasil. UM POUCO MAIS SOBRE A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1531, 19 de Julho de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/um-pouco-mais-sobre-a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-da-pessoa-juridica.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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