Episódio 13: MS - Eficácia territorial da sentença
Texto:José Tesheiner Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner Narração de José Tesheiner e Marcelo Hugo da Rocha Duração do episódio: 07 minutos e 52 segundos Música:J.S.Bach, Concerto para violino em lá menor, por Zimbalista (www.jamendo.com) Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner |
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Crítica a uma decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da eficácia territorial de uma sentença proferida em mandado de segurança coletiva
A Associação dos Fabricantes Brasileiros de Coca Cola (AFBCC), impetrou o Mandado de Segurança Coletivo em face do Delegado da Receita Federal no Rio de Janeiro, perante a 22a Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, para que seus associados não fossem compelidos a estornar o crédito de IPI inerente às aquisições da matéria- prima isenta (concentrado), oriundas de estabelecimentos localizados na Zona Franca de Manaus.
A segurança foi concedida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 2a Região, correspondente aos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
Contra o respectivo acórdão, a União interpôs recurso extraordinário, que foi inadmitido na origem.
Inconformada, a União interpôs agravo de instrumento, ao qual o Ministro Marco Aurélio negou seguimento.
Tendo em vista processos judiciais e administrativos em curso, envolvendo a mesma matéria, uma das associadas, a Companhia de Bebidas Ipiranga, ingressou no Supremo Tribunal Federal com pedido de reclamação, afirmando haver coisa julgada.
O Supremo Tribunal Federal não conheceu da reclamação. Efetivamente, as instancias locais, administrativas e judiciais, não estavam a descumprir decisão do Supremo Tribunal Federal, porque este, no processo anterior, se limitara a negar seguimento a agravo interposto para fins de conhecimento de recurso extraordinário.
Apresenta-se, contudo, importante esse acórdão do Supremo Tribunal Federal porque, embora não conhecendo da reclamação, o Ministro Gilmar Mendes afirmou, no respectivo acórdão, a inexistência de coisa julgada decorrente da decisão proferida pelo Tribunal Regional do Rio de Janeiro no mandado de segurança impetrado contra o Delegado da Receita Federal do Rio de Janeiro, com relação a associado com estabelecimento no Município de Ribeirão Preto, em São Paulo.
Invocou o Ministro o disposto no artigo 2o da Lei 9.494/97, verbis:
A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Salientou que, no Mandado de Segurança n. 23.769, julgado em30/4/2004, o Supremo Tribunal Federal havia declarado a inconstitucionalidade apenas da exigência de que a petição inicial contivesse a relação nominal dos associados com indicação do respectivo endereço.
Invocou, também, o artigo 16 da Lei 7.347/1985, para afirmar que a eficácia das decisões proferidas em ações coletivas é restrita ao território do órgão prolator da decisão, no caso, o território do Tribunal Regional da 2a. Região, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Transcreveu trecho da Medida Provisória que originou o referido artigo 16:
Assim, o art. 3o da proposta, ao dar nova redação ao art. 16 da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, determina que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente, por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Tal proposta resolve uma conhecida deficiência do processo de ação civil pública que tem dado ensejo a inúmeras distorções, permitindo que alguns juízes de primeiro grau se invistam de uma pretensa ‘jurisdição nacional’. (...) Daí a necessidade de que se explicite o óbvio, isto é, que a decisão judicial proferida na ação civil pública tem eficácia nos limites da competência territorial do órgão judicial.
A propósito desse mesmo dispositivo, transcreveu parte de um voto do Ministro Marco Aurélio, em outro julgamento:
harmônico com o sistema Judiciário pátrio, jungia, mesmo na redação primitiva, a coisa julgada ‘erga omnes’ da sentença civil à área de atuação do órgão que viesse a prolatá- la. A alusão à eficácia ‘erga omnes’ sempre esteve ligada à ultrapassagem dos limites subjetivos da ação, tendo em conta até mesmo o interesse em jogo – difuso ou coletivo – não alcançando, portanto, situações concretas, quer sob o ângulo objetivo, quer subjetivo, notadas além das fronteiras fixadoras do juízo. Por isso, tenho a mudança de redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos ‘erga omnes’ na área de atuação do juízo e, portanto, o respeito à competência geográfica delimitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação civil pública nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no Judiciário.
Referiu também voto do Ministro Neri da Silveira:
o juiz só pode oficiar sobre matéria a respeito da qual é competente e dentro dos limites da sua jurisdição, assim, mesmo em se tratando de ação civil pública, em matéria que seja de sua competência, não pode dar uma provisão de âmbito nacional.
Justificou o artigo 16, dizendo:
Pelo que percebo, o art. 16 da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, inserido pelo art. 2o-A da Lei no 9.494, de 10 setembro de 1997, compatibiliza-se com o atual sistema jurídico pátrio, na medida em que preserva a higidez relativa à competência jurisdicional de cada órgão do Poder Judiciário, evitando, destarte, uma conhecida deficiência oriunda do processo de natureza coletiva que dava ensejo a inúmeras distorções, quando permitia, v. g., que juízes de piso se investissem de uma pretensa “jurisdição nacional”.
Não obstante as censuras já emitidas por esta Corte acerca do mau uso das ações coletivas, inclusive como instrumento de controle de constitucionalidade com efeitos erga omnes, persistiram as tentativas de conferir eficácia universal às decisões liminares ou às sentenças emanadas pelos juízes de primeiro grau.
Sensível não só a essa realidade, mas também ao risco iminente de lesão irreparável ao Patrimônio Público, é que o art. 2o-A da Lei no 9.494/1997, ao modificar o art. 16 da Lei no 7.347/1985, trouxe a tempestiva limitação geográfica para o provimento judicial, estabelecendo sua força apenas no território do órgão prolator.
Passemos à discussão do acórdão.
A Lei da Ação Civil Publica (Lei 7.347/1985) efetivamente dispõe que a sentença faz coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão julgador.
Trata-se de dispositivo que não pode ser interpretado como regra geral sobre os efeitos da sentença. A ser assim, a sentença de divorcio proferida pela Justiça do Estado do Rio Grande do Sul não teria eficácia no Estado de Minas Gerais: a condenação proferida pela Justiça do Estado de São Paulo não poderia ser executada no Estado do Rio de Janeiro.
Na verdade, toda sentença proferida por juiz brasileiro tem eficácia em todo o território nacional, porque a jurisdição é nacional, embora limitada a competência. A sentença estrangeira é que não tem eficácia no território nacional, precisando, para isso, ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.
A hipótese do caso em exame não é de ação civil pública, mas de mandado de segurança coletivo, relativo a direitos individuais homogêneos.
Dispõe a Lei 12.016/2009:
Art. 21. : O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. :
...
Art. 22. : No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. :
Vê-se que a Lei autoriza as associações a impetrar mandado de segurança na condição de substituto processual: de seus associados.
Decisiva, pois, é a condição de associado e não o seu domicílio. A limitação do artigo 2o da Lei 9.494/97 é descabida, porque a hipótese é regida pela Lei do Mandado de Segurança, que é posterior e especial em relação àquela.
O que se pode, sim, sustentar, é que a ordem concedida contra o Delegado da Receita Federal do Rio de Janeiro não vincula os demais Delegados da Receita.
Já expliquei alhures que réu, no mandado de segurança, não é a autoridade coatora, simples presentante (sic) da pessoa jurídica correspondente, no caso, a União. Como, porém, não é esse o entendimento que prevalece, pode-se, com esse fundamento, concordar com o relator.
O que se deve, porém, ressaltar, é que os efeitos da sentença de modo nenhum se circunscrevem ao território do órgão prolator. Não se pode tratar como sentença estrangeira a proferida em outro Estado da Federação.