Episódio 17: Intervenção federal negada

Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner

Narração de José Tesheiner e Marcelo Hugo da Rocha

Comentário de José Tesheiner

Duração do episódio: 13 minutos e 37 segundos

Música:J.S.Bach, Concerto para violino em lá menor, por Zimbalista (www.jamendo.com)

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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 :Proprietário não obtém o cumprimento de sentença - definitiva - que o reintegrou na posse de imóvel de que foi esbulhado.

 :O imóvel rural denominado 'Sítio Garcia', localizado no Município de Barbosa Ferraz/PR, foi invadido, em 2006, por membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras, o MST, razão pela qual foi ajuizada ação possessória, com pedido de liminar.

Sendo incontroversa a propriedade e a posse da área esbulhada, bem como a efetiva utilização do imóvel para a pecuária, o qual teria sido enquadrado pelo INCRA como propriedade produtiva, foi deferido o pedido de liminar, a fim de que a posse do imóvel fosse restabelecida aos proprietários.

Apesar de intimados várias vezes os agentes públicos responsáveis, para que encaminhassem ao local força policial a fim de garantir o cumprimento da ordem judicial, somente em junho de 2008 a posse do referido sítio foi devolvida aos proprietários, tendo os invasores sido alocados a aproximadamente um quilômetro de distância do imóvel, o que resultou em seu retorno ao local depois de quinze dias da retirada.

Reiniciado o processo judicial, nova liminar foi deferida, sendo que, mesmo depois da imposição de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelo descumprimento, a ser paga solidariamente pelo Governador do Estado do Paraná, pelo Secretário de Segurança Pública e pelo Comandante Geral da Polícia Militar, a mesma não foi efetivada.

Mesmo após a remessa de diversos ofícios às Autoridades competentes para o cumprimento da medida, com a ressalva de que caberia à Polícia Militar providenciar com o Executivo Estadual e o INCRA os meios para a execução integral da medida de reintegração de posse, fornecendo transporte, alimentação e local adequado para as famílias que se encontravam no imóvel rural invadido, os proprietários não obtiveram êxito no implemento da decisão judicial.

...

Em 2011 foi proferida sentença de mérito, mantendo a liminar inicialmente deferida para restabelecer a posse do imóvel a seus proprietários. Com isso, foi determinada a expedição de mandado de reintegração de posse, para cumprimento em quinze dias, sendo intimados o Governador do Estado, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante Geral da Polícia Militar, para providenciarem os meios para a execução integral do comando, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) suportada solidariamente e revertida em favor dos autores da ação, sem prejuízo da multa punitiva prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC. Restou consignado, ainda, que os invasores deveriam ser retirados para local distante da propriedade rural objeto da ação, para evitar nova invasão, devendo os policiais militares permanecer na área por tempo suficiente, não inferior a trinta dias.

Diante da inexecução da ordem judicial, os proprietários do imóvel apresentaram pedido de intervenção federal perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

O Tribunal afastou a alegação de ilegitimidade ativa, deu procedência ao pedido e determinou a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça, por entender estar configurada a inação injustificada do Poder Executivo Estatal.

(...)

... combinados os arts. 34, VI e 36, II, da Constituição Federal, pela voz da Suprema Corte, assentou-se que caberá ao STJ o exame da Intervenção Federal nos casos em que a matéria é infraconstitucional e o possível recurso deva ser encaminhado ao STJ.

...

Quanto ao mérito, de acordo com os elementos dos autos – embora não elevados a fundamentos de decidir ou de repelir a pretensão – depreende-se que o imóvel rural em foco foi ocupado por trabalhadores rurais sem terra como forma de forçar sua desapropriação para reforma agrária, mas as providências administrativas do Poder Público local, demandadas para a desocupação ordenada pelo Poder Judiciário, não foram atendidas por seguidas vezes. Tecnicamente, portanto, a recusa do Governador do Estado caracteriza a situação prevista no art. 36, II da CF, pois há desobediência à ordem “judiciária” o que justificaria a intervenção para “prover a execução da ordem ou decisão judicial ”.

Ocorre que o Governador do Estado considera inexistir desobediência uma vez que o cumprimento da ordem pode vir a provocar estado de conflito social ou coletivo e possíveis danos ou lesões muito mais graves que o prejuízo do particular proprietário que perdeu a posse. As justificativas alinhadas pelo Poder Público local procuram mostrar que a ordem judicial nesse caso deve ceder ante um quadro de circunstâncias capazes de tornar ilegítima a atuação do Poder Judiciário em favor de uma pessoa quando os efeitos danosos e negativos podem se abater sobre dezenas de outras. Em suma, pelo principio da proporcionalidade não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e assim sua recusa não é ilícita. Os números da causa mostram, segundo as últimas informações, que a remoção das 190 pessoas que ocupam o imóvel, já agora corridos vários anos, constituindo cerca de 56 famílias sem destino ou local de acomodação digna, revelam quadro de inviável atuação judicial, assim como não recomendam a intervenção federal para compelir a autoridade administrativa a praticar ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular.

Nessa perspectiva, mesmo tendo presente a finalidade de garantia da autoridade da decisão judicial, a intervenção federal postulada perde a intensidade de sua razão constitucional ao gerar ambiente de insegurança e intranquilidade em contraste com os fins da atividade jurisdicional, que se caracteriza pela formulação de juízos voltados à paz social e à proteção de direitos.

É certo que a esse respeito, a jurisprudência desta Casa registra várias representações de Intervenção Federal com acolhimento do pedido para requisitar-se a medida perante o Presidente da República: ... Esses precedentes refletem a orientação atual e quase uniforme da Corte em deferir a intervenção, apesar de vez por outra – como no caso da IF 92/MT, que tratava de desocupação de imóvel “favelizado ” – decidir-se pelo indeferimento ante a manifesta violação da proporcionalidade.

Nada obstante, vale assinalar que em consulta informal junto ao Ministério da Justiça e à Presidência da República não se obteve informações acerca do atendimento às anteriores requisições de intervenção federal desse tipo (recusa de força policial) encaminhadas pelo STJ, e da promoção, pelo Presidente, das medidas que lhe cabiam. É oportuno sublinhar que a atuação do Presidente da República, conquanto na hipótese do art. 36, II CF se revista de caráter obrigatório sob pena de crime de responsabilidade nos termos do art. 85, VII CF, é na essência ato político e abriga-se, como regra, no exercício do poder discricionário. Quer dizer, a despeito de obrigatória a execução da intervenção pelo Presidente, a sua omissão de modo geral confirma a recusa sem maiores consequências no processo.

Ante os argumentos trazidos e já reproduzidos no relatório, revela-se defensável o afastamento da necessidade de intervenção federal contra o Estado do Paraná e, ao contrário, parece manifestar-se evidente a hipótese de perda da propriedade por ato lícito da administração, não remanescendo outra alternativa que respeitar a ocupação dos ora possuidores como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana: de construção de sociedade livre, justa e solidária com direito à reforma agrária e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade social.

Se ao Estado não resta senão respeitar a afetação pública do imóvel produzida pela ocupação de terceiros sobre o bem particular com o intuito de ocupá-lo para distribuí-lo, segue-se que em razão da motivação identificada nos autos poderá a propriedade ser tida tecnicamente como objeto de desapropriação por interesse social para reforma agrária (conforme as qualidades do imóvel e seu proprietário): ou por simples interesse social: ou por interesse público.

Ora, não há nos autos demonstração de que o imóvel tenha sido caracterizado como imóvel insubmisso à sua função social de modo a autorizar sua desapropriação para fins de reforma agrária. Também não é patente o atendimento dos requisitos de interesse social previstos nas alíneas do art. 2o da Lei no 4.132/62. Assim, aparentemente cuida-se de caso de afetação por interesse público a submeter-se então ao regime próprio dessa modalidade jurisprudencial de perda e aquisição da propriedade mediante justa e prévia indenização em dinheiro, que, no caso, por construção, se resolverá em reparação a ser buscada via de ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado.

Ante o exposto, voto pelo indeferimento da Intervenção Federal.

 :

Comentário

Os proprietários deviam ser reintegrados na posse do imóvel de que foram esbulhados. Para isso obtiveram sentença com força de coisa julgada.

Contudo, o Judiciário não conseguiu executar sua decisão, basicamente porque o Governo do Estado não quis.

A solução seria, pois, a decretação de intervenção federal, que não implicaria necessariamente o afastamento do Governador do Estado de suas funções, já que poderia ser nomeado interventor limitadamente para o fim de promover a reintegração de posse.

Sabendo, porém, que o Presidente da República não decretaria intervenção federal para fazer cumprir a decisão, o Superior Tribunal de Justiça antecipou-se e negou o próprio pedido de intervenção, acenando para uma possível indenização aos esbulhados, a titulo de desapropriação indireta.

A decisão foi unânime.

A solução de se substituir a reintegração na posse por uma indenização em dinheiro, paga pelo Estado, em atenção aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana: construção de uma sociedade justa e solidária, com direito à reforma agrária e acesso à terra, erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade social, teria sido razoável, se adotada antes, na sentença.

Isso, porém, não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, de acordo com as regras processuais, salvo acordo entre todas as partes envolvidas, inclusive o Estado do Paraná. Sente-se, aí, a falta de uma engenharia processual própria para esse tipo de situações.

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça acabou negando o pedido de intervenção federal, acenando aos esbulhados com a possibilidade de uma ação por desapropriação indireta, a ser ainda proposta, cujo pedido também poderá ser rejeitado.

Daí resultou negação de um direito declarado por sentença transita em julgado e grave quebra do sistema jurídico.

Vê-se que, em certos casos, para obter o cumprimento de uma decisão, às vezes, não basta ter direito. É preciso ter força política.

 :

(STJ, Corte Especial, Intervenção Federal n. 111, Gilson Dipp, Relator, j. 1o/julho/2014)

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578