Episódio 18: Red Bull
Texto:Marcelo Hugo da Rocha Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner Narração de :Marcelo Hugo da Rocha e Lessandra Gauer Duração do episódio: 11 minutos e 42 segundos Música:J.S.Bach, Concerto para violino em lá menor, por Zimbalista (www.jamendo.com) Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner |
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“Red Bull te dá asas”: um caso de ação coletiva
1. O noticiário
Recentemente, os noticiários brasileiros compartilharam a informação de que a empresa de bebidas energéticas, a austríaca Red Bull, pagaria U$ 13 milhões de dólares a consumidores norte-americanos que “não ganharam asas”, referente ao seu famoso “slogan” comercial e que foi usado por mais de duas décadas.
Conforme a publicação da Revista Exame, a “empresa topou pagar a quantia para encerrar uma ação coletiva nos EUA que a acusava de propaganda enganosa. Afinal, ninguém ‘ganhou asas’. Em uma nota oficial, a Red Bull disse que aceitou pagar o dinheiro para evitar os custos do litígio. Os 13 milhões serão distribuídos entre milhões de consumidores. Com o acordo, os clientes que compraram a bebida nos últimos dez anos poderão escolher entre ser reembolsados em dez dólares ou receber um voucher de 15 dólares para gastarem com produtos Red Bull”.
De acordo com informações de canais estadunidenses, os autores das duas class actions alegaram que foram enganados pelo slogan, afirmando que os benefícios anunciados pela empresa de “aumento de desempenho”, “melhor concentração” e “velocidade de reação” são falsas. A empresa nega qualquer irregularidade, mas preferiu concordar com o pagamento para evitar novas ações.
Serão beneficiados os clientes que compraram entre 2002 a outubro de 2014, observadas algumas exigências, como o preenchimento de formulário de solicitação e encaminhamento ao administrador da ação coletiva, com ou sem comprovante de compra. Mesmo assim, o tribunal vai realizar uma audiência em maio de 2015 para decidir se a resolução será aprovada e os pagamentos serão distribuídos no prazo de 150 dias após o acordado, sob reserva de possíveis recursos.
De acordo com o site Top Class Actions, os autores desafiaram os estudos científicos publicados no site da Red Bull, que supostamente demonstravam a superioridade de suas bebidas energéticas sobre os produtos mais baratos que contêm apenas cafeína. :Segundo os processos das class actions, não há estudos científicos confiáveis ??que apóiam as reivindicações da Red Bull em que o energético é superior.
Ainda, os autores fizeram alegações de quebra de garantia expressa, enriquecimento sem causa e violação dos estatutos de proteção dos consumidores de vários estados estadunidenses. Red Bull negou toda e qualquer irregularidade ou passivo e sustenta que a sua comercialização e rotulagem foram sempre totalmente verdadeiras e precisas.
O valor a ser recebido na liquidação poderá ser menor, caso o montante total dos pedidos apresentados exceda os fundos com esse propósito. Para receber, basta se cadastrar como “membro da classe do acordo” através de formulário de solicitação a ser encaminhado até início de março, antes da audiência de 1º de maio.
Tem-se notícia que há outras ações judiciais coletivas em curso contra fabricantes de “energy drink” no Canadá, além da própria Red Bull, também contra Coca-Cola, Pepsi-Cola, Rockstar Inc., Monstro Beverage Company, entre outros, e que já se encontram no Ontario Superior Tribunal de Justiça e que alegam violações generalizadas da Lei de Defesa do Consumidor, Lei da Concorrência, “Food and Drugs Act”, e outras causas de direito comum de ação coletiva e que, em geral, são danos por perdas sofridas como resultado de declarações falsas, enganosas e/ou fraudulentas nos rótulos dos produtos.
2. As class actions e o processo contra a Red Bull
O acordo proposto pela Red Bull North America Inc. é referente a duas class actions acionadas individualmente, uma pelo consumidor Benjamin Careathers na corte do Distrito Sul do Estado de Nova York (Benjamin Careathers v Red Bull North America, Inc.), e outra, pelos consumidores David Wolf e Miguel Almaraz no Distrito Central do Estado da California (Wolf, et al. :v Red Bull GmbH, et al).
Como o primeiro caso foi proposto de Benjamin em janeiro de 2013, o processo de David Wolf foi incorporado, transferido e consolidado para corte distrital de Nova York ainda em dezembro do mesmo ano. No final de julho de 2014, as partes entraram com o pedido de acordo (mais conveniente, de liquidação, “class action settlement”) e no início de setembro foi concedido despacho que concedeu aprovação preliminar da ação coletiva unificada conforme as principais referências informadas anteriormente.
É importante destacar que as duas ações iniciais buscaram estender os direitos a serem garantidos em eventual procedência a consumidores em situações similares não só em Nova York e Califórnia, mas em todo os Estados Unidos e diante da Rule 23, poder a qual é dado aos juízes de certificar as ações como coletivas, foram atestadas como típicas ações “de classe”.
Com base na doutrina e jurisprudência estadunidense podem ser colhidas sete condições (seven-part certification process) que, satisfeitas, darão ensejo à certificação de se tratar de uma class action. Segundo lição de Cássio Scarpinella Bueno, resumidamente, são elas [1]:
1. Deve haver uma “classe”, ou seja, aquele que se pretende adequado representante deve fornecer argumentação suficiente de que há uma classe sujeita a determinada violação de direito.
2. Aquele que se pretende adequado representante deve ser membro (atual) da classe, o que, segundo revela a doutrina, parte da premissa de que 'if they have a personal stake in the outcome of the litigation, the representatives are likely to undertake a full prosecution or defense'. Esta questão é, essencialmente, relacionada com a pesquisa em torno da legitimidade ad causam.
3. A classe deve ser tão numerosa que a reunião de todos seus membros demonstra-se impraticável. Ao mesmo tempo em que a doutrina aponta para um número de vinte e cinco a quarenta pessoas para dar ensejo à formação de uma classe, naquelas hipóteses em que o risco individual (considerado individualmente) dos membros é razoavelmente grande, sua reunião em uma class action é plausível, independentemente do número de pessoas envolvidas.
4. As questões que dão ensejo ao litígio, sejam as de fato ou as de direito, devem ser comuns. Basta uma mera questão em comum para que estes requisito esteja preenchido.
5. As pretensões deduzidas pela 'parte ideológica' sejam típicas da classe. A doutrina adverte que não há maiores considerações a respeito deste pressuposto já que tende a ser cumprido diante das condições da comunhão de pontos de fato e de direito e pela adequação da representatividade.
6. A efetividade (e não mera potencialidade) da representação adequada dos interesses de toda a classe pelo indivíduo presente na relação processual. Sua concepção mais correta, como visto, guarda relação não somente com a falta de qualquer conflito entre os membros presentes na relação processual e aqueles ausentes, como, também, a presença de advogado especializado que tenha condições de lidar com a complexidade de questões que podem se apresentar no desenvolvimento do processo.
7. O exame de a hipótese amoldar-se em uma das hipóteses previstas em abstrato na Rule 23(b), ou seja, se se trata do risco de se ter regras individuais de conduta incompatíveis entre si, se se busca uma injunção a favor ou contra a classe para que sejam respeitados os civil rights ou, por fim, se é conveniente, por questões de economia processual e segurança jurídica, a junção das centenas, milhares ou milhões de lides individuais (“multiple litigation”) para uma decisão (vinculante, salvo a hipótese de auto exclusão) conjunta e uniforme.
Essas razões estão de alguma forma dispostas na decisão preliminar referente ao processo contra a Red Bull, conforme se relata:
3. A propaganda enganosa e o exagero publicitário
As situações de propaganda enganosa são causas comuns para efeitos de ações coletivas (vide ações civis públicas) tanto no Brasil como nos Estados Unidos e muitos processos chegaram ao STJ, como o caso que ficou marcado do fabricante FIAT, que após divulgar e passar a comercializar o automóvel 'Pálio Fire Ano 2006 Modelo 2007', vendido apenas em 2006, simplesmente lançou outro automóvel 'Pálio Fire Modelo 2007', com alteração de vários itens, o que levou a concluir haver ela oferecido em 2006 um modelo 2007 que não viria a ser produzido em 2007, ferindo a fundada expectativa de consumo de seus adquirentes em terem, no ano de 2007, um veículo do ano (REsp 1342899 / RS).
O nosso CDC traz o conceito, é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, §1º).
Por outro lado, tem-se alegado que o “exagero publicitário” não é necessariamente uma formulação de propaganda enganosa, como poderíamos seria o caso do slogan criativo da Red Bull: “te dá asas”. Para esse tipo há até um jargão, “puffin”: como um comercial de desodorante masculino que atrai mulheres ou que um mero bombom de chocolate resolvesse todos os problemas entre um casal ou que um batom seja capaz de conquistar todos os solteiros da cidade.
Concluindo, o caso relatado da Red Bull talvez não só não encontraria interessados entre os legitimados para a ação civil pública, pois no direito estadunidense qualquer um pode entrar com a ação coletiva, como provavelmente, não teria êxito em nossos tribunais pelas dificuldades que os requerentes norte-americanos não precisaram passar porque a empresa propôs um acordo levado à liquidação. A exposição midiática que alcançou essa informação, sem o reconhecimento de qualquer irregularidade de seus “energy drinks”, e o impedimento de outras class actions, certamente, foi um ótimo negócio, mas nos Estados Unidos.
4. Fontes consultadas
<:http://pt.wikipedia.org/wiki/Red_Bull>:
<:http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/red-bull-pagara-us-13-mi-a-clientes-que-nao-ganharam-asas>:
<:http://fox2now.com/2014/10/08/class-action-lawsuit-questions-red-bull-gives-you-wings-slogan/>:
<:http://topclassactions.com/lawsuit-settlements/open-lawsuit-settlements/41577-red-bull-energy-drink-class-action-settlement/>:
<:http://www.energydrinksettlement.com/>:
<:http://www.energydrinkclassaction.com/>:
[1] “AS CLASS ACTIONS NORTE-AMERICANAS E AS AÇÕES COLETIVAS BRASILEIRAS: PONTOS PARA UMA REFLEXÃO CONJUNTA” Publicado originalmente na Revista de Processo, vol. 82. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, páginas 92-151.
<:http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/10/o-que-pode-ser-considerado-propaganda-enganosa-4618588.html>: