Episódio 22: Deficientes físicos

Apresentação:Bruno e Júlio Tesheiner

Narração de :Marcelo Bopp Tesheiner, Lessandra Gauer, Marcelo Hugo da Rocha e José Tesheiner

Duração do episódio: 13 minutos e 09 segundos

Música:J.S.Bach, Concerto para violino em lá menor, por Zimbalista (www.jamendo.com)

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Ação para obrigar a Administração a construir acessos para deficientes físicos

A Escola Estadual Professor Vicente Teodoro de Souza, localizada em são Paulo, à rua Jorge Lima s/n, no Jardim Maria Goretti, tem um pavimento superior sem rampa de acesso para deficientes físicos, faltando também banheiros próprios para eles.

Foi o que constatou o Ministério Público de São Paulo que, por isso, moveu ação contra o Governo do Estado de São Paulo, para exigir as adaptações necessárias, sob pena de multa diária de ½ salário mínimo por dia.

O pedido foi rejeitado pelo juiz.

O Ministério Público interpôs apelação.

O Tribunal de Justiça de são Paulo negou provimento à apelação, dizendo:

Em que pese a releva?ncia da obra destinada a deficientes fi?sicos, na?o cabe obrigar o Executivo a execuc?a?o de obra em um determinado pre?dio da rede estadual, tornando-se diverso dos demais padronizados. Há necessidade de estudo e orc?amentos para que se implante o comando constitucional em toda a rede e na?o num determinado pre?dio pu?blico, com interfere?ncia caracterizada no poder de administrar do Executivo.

Vencido, o Ministério Público recorreu ao Supremo Tribunal Federal, onde o Ministro Marco Aurléio proferiu o seguinte voto:

Salta aos olhos a releva?ncia deste julgamento. Faz-se em jogo o controle jurisdicional de poli?ticas pu?blicas, tema de importa?ncia i?mpar para a concretizac?a?o da Carta da Repu?blica, ante o conteu?do dirigente que estampa. Segundo a jurisprude?ncia do Supremo, sa?o tre?s os requisitos a viabilizar a incursa?o judicial nesse campo, a saber: a natureza constitucional da poli?tica pu?blica reclamada, a existe?ncia de correlac?a?o entre ela e os direitos fundamentais e a prova de que ha? omissa?o ou prestac?a?o deficiente pela Administrac?a?o Pu?blica, inexistindo justificativa razoa?vel para tal comportamento. No caso, todos os pressupostos encontram-se presentes.

Colho da Constituic?a?o Federal que a lei dispora? sobre normas de construc?a?o dos logradouros e dos edifi?cios de uso pu?blico e de fabricac?a?o de vei?culos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado a?s pessoas portadoras de deficie?ncia fi?sica – artigo 227, § 2o. Mais do que isso, consoante dispo?e o artigo 244, a lei versara? a adaptac?a?o dos logradouros, dos edifi?cios de uso pu?blico e dos vei?culos de transporte coletivo atualmente disponi?veis, para garantir acesso adequado a?s pessoas portadoras de deficie?ncia, conforme preceituado no referido § 2o do artigo 227.

A esse arcabouc?o, provido pelo constituinte origina?rio, devem-se somar as disposic?o?es da Convenc?a?o Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficie?ncia e o respectivo Protocolo Facultativo, promulgada por meio do Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009. A incorporac?a?o ao cena?rio normativo brasileiro ocorreu segundo o procedimento previsto no § 3o do artigo 5o da Carta Federal, com a estatura de emenda constitucional.

[...]

A questa?o que se coloca e? saber se, diante da ine?rcia legislativa, ha? preceitos sem efica?cia. A resposta e? desenganadamente negativa. Ao remeter a? lei a disciplina da mate?ria, a Carta da Repu?blica na?o obstaculiza a atuac?a?o do Judicia?rio. Existem razo?es para assim concluir. A primeira delas esta? no rol dos fundamentos e objetivos da Repu?blica Federativa do Brasil, surgindo o envolvimento da dignidade da pessoa humana e da busca de uma sociedade justa e solida?ria – artigos 1o, inciso III, e 3o, inciso I, do Diploma Maior.

A segunda a ser levada em conta diz respeito ao fato de as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais terem aplicac?a?o imediata, sendo que os direitos e garantias expressos na Carta de 1988 na?o excluem outros decorrentes do regime e dos princi?pios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a Repu?blica Federativa do Brasil seja parte – § 1o e § 2o do artigo 5o.

Ha? uma terceira premissa. O acesso ao Judicia?rio para reclamar contra lesa?o ou ameac?a de lesa?o a direito e? cla?usula pe?trea.

Assentada a natureza constitucional da poli?tica pu?blica de acessibilidade, necessariamente a ser implementada pelos demais Poderes Pu?blicos, decorre do conjunto normativo a existe?ncia do direito subjetivo pu?blico de adequac?a?o dos edifi?cios e a?reas pu?blicas visando possibilitar a livre locomoc?a?o de portadores de necessidades especiais. E? ele qualificado, quando se trata de escola pu?blica, cujo acesso surge primordial ao pleno desenvolvimento da pessoa, consoante proclama o artigo 205 da Carta Federal. O artigo 206, inciso I, dela constante assegura a igualdade de condic?o?es para a permane?ncia na escola. Barreiras arquiteto?nicas que impec?am a locomoc?a?o de pessoas acarretam inobserva?ncia a regra constitucional, colocando cidada?os em desvantagem no tocante a? coletividade.

A imposic?a?o quanto a? acessibilidade aos pre?dios pu?blicos e? reforc?ada pelo direito a? cidadania, ao qual te?m jus os portadores de necessidades especiais. A noc?a?o de repu?blica pressupo?e que a gesta?o pu?blica seja efetuada por delegac?a?o e no interesse da sociedade e, nesta, aqueles esta?o integrados. Obstaculizar-lhes a entrada em hospitais, escolas, bibliotecas, museus, esta?dios, em suma, edifi?cios de uso pu?blico e a?reas destinadas ao uso comum do povo, implica trata?-los como cidada?os de segunda classe, ferindo de morte o direito a? igualdade e a? cidadania.

Sob o a?ngulo normativo ordina?rio, a Lei federal no 7.853, de 24 de outubro de 1989, veio a garantir o pleno exerci?cio dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de necessidades especiais, com a efetiva integrac?a?o social.

Ela e? aplica?vel ao Estado de Sa?o Paulo, porquanto formalizado com fundamento no artigo 24, inciso XIV, da Carta Federal, ou seja, no a?mbito da legislac?a?o concorrente, consideradas as normas gerais.

(...)

Em regra, princi?pios constitucionais obrigam a Administrac?a?o Pu?blica a colocar em pra?tica uma poli?tica pu?blica abrangente que esteja voltada a? concretizac?a?o deles, sem, contudo, especificar qual e?. Na?o se encontrando o Poder Judicia?rio aparelhado a tomar deciso?es quanto a? efica?cia das inu?meras poli?ticas disponi?veis para concretiza?-los, ha? de reconhecer a prerrogativa do administrador em seleciona?-las. Essa situac?a?o, contudo, revela-se diferente se esta?o em causa prestac?o?es relacionadas ao mi?nimo existencial ou obrigac?o?es que, por forc?a dos pro?prios enunciados adotados pela Constituic?a?o e leis aplica?veis, restringem as opc?o?es da Administrac?a?o, exatamente o que ocorre na situac?a?o em ana?lise.

A doutrina chama a atenc?a?o para o fato, muitas vezes despercebido, de ser despiciendo evocar princi?pios constitucionais – como separac?a?o de Poderes ou democracia – quando o direito a? prestac?a?o positiva vem expressamente estampado na legislac?a?o ordina?ria. Como afirmado, o direito buscado neste processo decorre diretamente dos princi?pios e regras constitucionais, o que e?, ate? mesmo, requisito para o acesso ao Supremo na afunilada via do recurso extraordina?rio. Ainda que assim na?o fosse, ha? lei a dar respaldo a? pretensa?o inicial.

Passo a? u?ltima etapa do racioci?nio desenvolvido: saber se existe justificativa razoa?vel para a mora administrativa. Ja? adianto que a resposta e? negativa. O recorrido – Estado de Sa?o Paulo –, em momento algum, apontou poli?ticas pu?blicas alternativas a? satisfac?a?o do encargo constitucional. Arguiu, simplesmente, poder discriciona?rio, o qual certamente na?o se estende a ponto de permitir ao administrador pu?blico escolher qual preceito da Lei Maior deseja observar.

A simples ause?ncia de portadores de necessidades especiais matriculados na escola estadual na?o consubstancia desculpa cabi?vel. O quadro pode resultar da pro?pria ause?ncia de opc?o?es de acessibilidade. A lo?gica e? circular: o Estado na?o as fornece, nenhum portador de necessidades especiais consegue frequentar o edifi?cio pu?blico, logo, o Estado afirma que na?o tem o dever de criar formas de acesso porque na?o ha? matriculados. Descura do fato de que a escola pu?blica na?o atende apenas aos estudantes nela matriculados, mas a toda a comunidade.

E? inaceita?vel e ate? mesmo inge?nuo, de outra parte, o argumento de que a escola, cujas posturas arquiteto?nicas sa?o incompati?veis ao acesso de pessoas deficientes, na?o possui alunos que carecem de tais cuidados. Ora, a vertente ac?a?o colima garantir o acesso de pessoas deficientes ao indigitado pre?dio pu?blico na?o somente no ano em curso, mas em qualquer tempo. E, na?o se trata apenas do aluno portador de deficie?ncia, mas de qualquer pessoa deficiente que necessite ingressar no local.

O pedido formalizado se mostrou especi?fico, no que veio a envolver o pre?dio pu?blico da Escola Estadual Professor Vicente Teodoro de Souza, localizado na Rua Jorge Lima, sem nu?mero, Jardim Maria Goretti. E? ate? mesmo incompreensi?vel que a maior unidade da Federac?a?o na?o haja adotado provide?ncias para atender algo inerente a? vida social, algo que na?o dependeria sequer, para ter-se como observado, de protec?a?o constitucional.

Provejo o recurso interposto, julgando procedente o pedido inicial.

A decisão foi unânime.

Portanto, pode o juiz obrigar a Administração a construir acessos para deficientes físicos.

(STF, 1a. Turma, RE 440.028, Min. Marco Aurélio, Rel., j. 29/10/2013)

Comentário

Do acórdão parece colher-se a idéia de que, onde quer que haja um edifício de uso público ou veículo de transporte coletivo sem acesso aos portadores de deficiência, cabe ação judicial para exigir sua adequação, independentemente de qualquer planejamento ou previsão orçamentária, o que não soa razoável.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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