Episódio 23: Defensoria Pública

Apresentação:Bruno e Júlio Tesheiner

Narração de :Lessandra Gauer, Marcelo Hugo da Rocha e José Tesheiner

Duração do episódio: 13 minutos e 57 segundos

Música:J.S.Bach, Concerto para violino em lá menor, por Zimbalista (www.jamendo.com)

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner :e Bruno Tesheiner

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Ação coletiva em prol de idosos. Legitimidade ativa.

Pode a Defensoria Pública mover ação coletiva em prol de idosos, participantes de um plano privado de saúde, presumivelmente com boas condições financeiras?

A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação coletiva em face de Sociedade Dr. Bartholomeu Tacchini - Plano de Saúde Tacchimed pleiteando a declaração de abusividade dos aumentos de referido plano quando aplicados em razão do advento da condição de idoso.O magistrado de 1o grau deferiu a antecipação de tutela determinando que a recorrente se abstivesse em reajustar nos planos de saúde de seus contratados com idade superior a 60 anos.Interpostos vários recursos, o Tribunal local acabou confirmando essa decisão, afirmando a legitimidade da Defensoria Pública para propor a ação.No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Luis Felipe Salomão, relator, proferiu voto dizendo:Importante ressaltar mais uma vez: é reconhecida a legitimidade da Defensoria Pública para a tutela de interesses metaindividuais, tendo o STJ já sedimentado esse posicionamento.(...) :De fato, a Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla (basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas, e mesmo que indiretamente venham a ser alcançadas pessoas que tenham 'suficiência' de recursos, isto, por si só, não irá elidir tal legitimação.No entanto, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas. :(...)Na hipótese, a Defensoria Pública propôs ação civil pública requerendo a declaração de abusividade dos aumentos no plano de saúde Tacchimed, em razão da idade. Buscou, portanto, defender apenas determinado grupo de pessoas que contratou aquele plano de saúde específico.Como sabido, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibilizado pelo Brasil é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, abrangendo 'desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Amparado por um conceito ampliado de saúde, o SUS foi criado, em 1988 pela Constituição Federal Brasileira, para ser o sistema de saúde dos mais de 180 milhões de brasileiros' (www.brasil.gov.br).De fato, conforme a Carta da República, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art. 196).Nesse passo, 'o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196)'. (RE 271286 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12?09?2000, DJ 24-11-2000)Dessarte, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública.Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada, evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado.Assim, penso que o referido grupo em questão não é apto a conferir legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública, para fins de ajuizamento de ação civil pública.Ressalte-se, porém, que a Defensoria Pública poderá continuar atuando em defesa do consumidor de plano de saúde que comprovar, no caso concreto, que não detém condições econômicas de arcar com as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família, mesmo em se tratando de litígio relacionado ao contrato em questão.Por fim, não se pode olvidar, diante do microssistema processual das ações coletivas, em interpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5°, § 3°, da Lei n. 7.347?1985 e art. 9° da Lei n. 4.717?1965), deve ser dado aproveitamento ao processo coletivo, com a substituição (sucessão) da parte tida por ilegítima para a condução da demanda.Tal providencia há de ser adotada pelo juízo de piso.(...)Ante o exposto, dou provimento ao recurso para reconhecer a ilegitimidade ativa da Defensoria Pública, devendo o processo ser encaminhado ao Juízo de primeira instância para convocação de eventuais sucessores interessados. :O Ministro Raul Araújo proferiu voto nos seguintes termos:

Sr. Ministro Relator, cumprimento V. Exa. pela qualidade do voto que traz.Saliento, com relação ao aspecto da legitimidade invocado e para chegar à mesma conclusão que V. Exa., que a própria Constituição Federal o considera importante, pois distingue a Defensoria Pública do Ministério Público, no ponto, exatamente porque, enquanto o Ministério Público é uma instituição permanente, a Defensoria Pública não tem esse caráter. Como uma das finalidades do Estado brasileiro é a erradicação da pobreza – está no art. 1º –, a Constituição Federal não qualifica a Defensoria Pública como 'instituição permanente', pois no dia em que o Estado lograr a consecução de sua finalidade de erradicar a pobreza, a Defensoria Pública desaparece, porque perde a razão de existir.V. Exa. destaca isso no voto, o que é suficiente, de per si, para levar à conclusão de que não tem a Defensoria legitimidade para promover a ação civil pública que propôs.A outra questão é aquela relacionada à possibilidade de se dar sequência à ação civil pública quando alguns daqueles legitimados do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública, quiçá o Ministério Público Estadual, se dispuser a tocar a ação dali para a frente. É o que leva V. Exa. a não extinguir o processo pelo art. 267, mas, sim, a antever essa possibilidade.Decisão

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

(STJ, 4a. Turma, REsp 1.192.577, Min. Luis Felipe Salomão, relator, j. 13/5/2014).

A conclusão do Tribunal foi, portanto, no sentido de que a Defensoria Pública não tem legitimidade para mover ação coletiva em prol de idosos, participantes de um plano privado de saúde, presumivelmente com boas condições financeiras.

Considerações de TIAGO FENSTERSEIFER

A condição de necessitado não se restringe apenas à perspectiva econômica, mas abarca também outras hipóteses e situações em que indivíduos ou mesmo grupos sociais encontram-se em situação especial de vulnerabilidade existencial no tocante aos seus direitos fundamentais e dignidade.

Para além da perspectiva estritamente econômica, é importante, para atender aos ditames constitucionais de forma plena, a proteção especial de determinados grupos sociais, em razão da presunção da sua vulnerabilidade existencial, o que faz com que seja atribuída à Defensoria Pública a tutela e promoção dos seus direitos. O conceito de necessidade (ou pessoa necessitada) “em sentido amplo” resultou consagrado no art. 4º, XI, da LC 80/94, com as alterações trazidas pela LC 132/2009, ao determinar que cabe à Defensoria Pública “exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”. Há, ainda, no mesmo artigo da legislação em comento, outros dispositivos que conformam a ideia de proteção jurídica especial a ser conferida a determinados grupos sociais vulneráveis, como, por exemplo: “exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal (VIII)”: “atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais (XVII)”: “atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas (XVIII)”. Os grupos sociais vulneráveis - como, por exemplo, criança e adolescente, idoso, pessoas com deficiência, mulher vítima de violência doméstica, pessoas privadas de liberdade, usuários de serviços públicos essenciais (saúde, educação, assistência social, transporte público, saneamento básico, assistência jurídica, entre outros), indígena e consumidor - são integrados por indivíduos e grupos de pessoas que detêm uma proteção jurídica especial a cargo do Estado e da sociedade, independentemente da configuração da sua carência econômica. O “rol” de grupos sociais vulneráveis, por certo, é apenas exemplificativo, como, inclusive, sugere o inciso XI do art. 4º da LC 132/2009, ao enunciar no seu final: “e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”. Há, ainda, os necessitados do ponto de vista organizacional.Não se coloca em discussão – e nisso a redação do art. 4º, XI, da LC 80/94 é esclarecedora - a condição econômica das pessoas que integram grupos sociais vulneráveis para legitimar a atuação da Defensoria Pública, especialmente quando estiver em causa questões (judiciais e extrajudiciais) de natureza coletiva. É imperativa a adoção de uma interpretação em conformidade com o maior acesso à justiça possível de tais pessoas (até por força do art. 5º, § 1º, da CF/88, já que estarão em causa os seus direitos fundamentais), tendo em vista o interesse de ordem pública e indisponível que está em jogo. Assim, pelas razões aqui sucintamente expostas, entendo equivocado o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça exarado no julgamento do Resp 1.192.477.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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